segunda-feira, 29 de agosto de 2011

A Travessia



Tinha todas as razões para ficar no mesmo lugar. Mas a aparente imobilidade da condição lhe gerava cansaço nas pernas, na coluna e nos braços. Entre ela e o outro lado, um rio largo, marrom, exuberante. Sentou-se ponderando se atravessar seria realmente melhor do que ficar ali sentada na relva. Ao mesmo tempo que aquele pedaço de terra verde lhe parecia bonito, era do outro lado que estava o gado e a terra fértil. Tudo bem que ela teria que primeiro conseguir atravessar ela própria, atravessar o gado, e ainda, plantar frutas, verduras e hortaliças. E vá lá, cada uma dessas coisas tinha um tempo diferente de crescimento. Sentiu as formigas lhe beliscarem os pés, como se lhe empurrando ao movimento. Mexeu-se um pouco, saiu do local onde estava, mas ainda não estava muito animada. E se o rio lhe engulisse? E se os bois morressem na travessia? E se o que ela plantasse não desse frutos? Sentiu o sol lhe queimar forte as costas. É! Parecia a ela que aquele era o momento certo para cruzar o rio. O sol, as formigas, seu próprio corpo lhe pediam movimento. Quando ergueu-se novamente, um pouco trêmula, mas decidida, viu como se por mágica, as águas do rio baixarem. E colocou um pé na água. Sentiu o frio subir-lhe até a espinha e o tirou rapidamente da água para a terra firme. No que ela estava pensando? Abandonar a terra firme por aquele aguaceiro todo, que tinha nada de solidez?! Voltou a sentar-se. Espantou os pensamentos e ficou contemplando o outro lado. Desde que compreendera que era do outro lado do rio que encontraria vida fértil e deixaria de lutar contra a aridez da terra que passou a sonhar em chegar lá! Mas, o que a impedia?! O rio! Respondeu alto a pergunta imaginada. Mas, sabia que seu maior impedimento era seu medo. E tinha tantos, medo de morrer, de perder-se, de afundar ... medo de ser feliz.... E achando irracional ser ela própria a causadora de seu infortúnio, ergueu-se corajosa. Colocou o mesmo pé que há poucos minutos tirara da água de volta a ela. Esperou ambientar-se, depois o outro. Apertou os olhos e quando os abriu, viu a água baixar novamente. Começou a recitar para si mesma, "Atravesse! Atravesse!" - seria tão mais fácil se tivese um fio, ou qualquer coisa que lhe desse mais firmeza para caminhar sobre aquelas pedras com a força da água lhe chacoalhando os ossos. E resolveu imaginar um fio grosso, dourado, que ela segurava forte nas mãos e que ajudava seu corpo a ficar mais firme. Só então abriu os olhos e deu-se conta que estava quase chegando. Quando tocou no outro lado da margem, deixou-se cair no chão, trêmula. Havia desafiado o rio, seus medos e havia vencido. E dançou feliz a conquista, gritando aos setes cantos, Atravessei! Atravessei! e soube naquele mesmo instante, que apesar do medo, era muito mais corajosa do que pensava. Virou de costas, viu aquele mundaréu de terra. Tirou do peito algumas sementes e saiu semeando a terra com o novo. Quando terminou, tinha certeza de que colheria os melhores frutos.

Nenhum comentário: