domingo, 31 de outubro de 2010

A Pequena Fábula da Princesa

Era uma vez uma princesa, que vivia num lindo castelo, grande e florido. Para qualquer lado que a princesa olhasse, ela só via natureza. Ela não compreendia muito bem como o castelo funcionava, mas ela sabia que as coisas no castelo funcionavam muito bem. Ela ouvia sua mãe dando as ordens ao longe, mas aquilo não importava, o que a interessava era que no castelo tudo parecia mágico. A princesa tinha amigos, eram outros príncipes e princesas que moravam nos castelos próximos aos seus. E a vida da princesa se resumia a isto. Respeitar os horários das refeições e dos estudos e brincar com seus amigos nos jardins no meio das flores. Até que um dia apareceu no castelo um plebeu, com as vestes esfarrapadas e cabelos desgrenhados. A princesa ficou tão surpresa com aquele estranho, que trazia consigo diferentes cheiros e visões, que resolveu segui-lo, para descobrir que outro mundo era aquele, que não era a vida que corria em seu próprio castelo. Então, depois de tê-lo seguido por dois dias, ela chegou a um vilarejo, era um local jamais sonhado pela princesa e ela, de tão surpresa, de ver o inédito, de tudo ser tão novo, decidiu ficar. A princesa percebeu que fora do seu castelo também havia vida e ela notou que as coisas não funcionavam como em seu castelo. Era uma organização totalmente diferente e, justo por isto, resolveu morar na casa do plebeu. Compreendeu, com certo choque, que a família do plebeu havia se acostumado com a falta. Nunca havia nada na mesa e quando havia comida, as refeições nunca eram servidas nos horários programados. Mas ela continuou a viver com o plebeu, até porque precisava descobrir quais eram as possibilidades dela mesma.

Até que um dia passou um circo na cidade. Ela dançava atrás do caminhão do circo, quando foi convidada a juntar-se a ele, para compor o espetáculo como bailarina. A princesa aceitou o convite, encantada que estava com o Circo. Primeiro resolveu assistir ao show para depois partir com eles. E foi como espectadora que se impressionou com o malabarista. Ele usava duas meninas como malabares e ficava jogando-as para cima, equilibrando as duas em suas mãos. A princesa impressionada questionava-se como era possível manter duas crianças no ar por tanto tempo? Como podiam ficar tanto tempo impedidas de tocar o chão? Como era possível estar sempre as mandando para cima, aos chacoalhos? E, olhando para as meninas, não sabia se riam ou se choravam, tampouco, ninguém ligava. Os risos e as lágrimas se misturavam. E a princesa nunca sabia se as crianças eram felizes ou miseráveis.

A princesa partiu com o circo e foi dividir o trailler com o malabarista. E lá, ela viu que o malabarista pendurava as crianças em fios e, assim, seus pés nunca tocavam a terra. Percebeu também que o chacoalhar que as crianças viviam nunca passava, porque ficavam sempre balançando de acordo com os desníveis das estradas de cada uma das cidades do interior por onde o circo passava. E a princesa, chocada, perguntava-se como podiam as crianças estar sempre balançando de um lado para o outro? Como podiam nunca tocar o chão?

Então, um dia, a princesa viu uma discussão entre o malabarista e um dragão. O dragão era a parte do show, a parte mais emocionante dele, pois o dragão cuspia fogo na platéia, que corria aos gritos de emoção. Mas na discussão entre o malabarista e o dragão, ele, enfurecido, soltava fogo pelas ventas e parecia cada vez mais irritado e o fogo ora queimava as meninas, ora o malabarista, que ficava jogando-as para cima, para tentar livrar-lhes do fogo direto. Mas, no fundo, o malabarista parecia não ligar para o fogo, assim como as crianças, elas pareciam já estar acostumadas a serem queimadas.

Quando voltaram para o trailler, a princesa piedosa resolveu colocar panos frios nos machucados e curativos nas queimaduras. Foi aí que a princesa percebeu que as meninas tinham os pés e as mãos queimadas e, por isto, não tocavam o chão. A cada noite, de semana em semana, a discussão se repetia e as queimaduras se proliferavam. Por isto jogar as crianças para cima aliviava a dor das queimaduras. Assim, a princesa compadecida, passou a fazer mais curativos e também sapatos e luvas para cobrir os pés e as mãos das crianças queimados. Mas o malabarista os retirava assim que as via. Ele dizia que se as crianças pudessem tocar o chão, elas não mais poderiam estar flutuando no ar e, com isto, não haveria mais espetáculo para ele. Então, os esforços da princesa eram em vão. Cada um dos curativos, dos calçados, luvas ou roupas que confeccionava para as crianças eram jogados fora, ou às vezes, eram queimados pelo dragão. E, chocada, indagou-se como o malabarista podia deixar as crianças serem constantemente queimadas? Como podia se deixar queimar?

A princesa descobriu que as crianças eram filhas do dragão com o malabarista, que um dia acreditou que o dragão era uma princesa, que fora enfeitiçada por uma bruxa a permanecer presa no corpo daquela criatura. Acreditou que seu beijo quebraria o feitiço. Mas aquilo não aconteceu. O que ocorreu foi que o dragão foi ficando cada vez maior e o malabarista foi ficando e sentindo-se cada vez menor. Mas o espetáculo precisava continuar. Entretanto, a princesa já não tinha mais inspiração para dançar e encantar a platéia. Assim foi que ela decidiu abandonar o circo e retornar para seu castelo. Já havia aprendido muito mais do que jamais sonhara quando partiu do castelo em busca do novo. Voltou para o local onde tudo parecia mágico e seguro.

Hoje dizem que a princesa desde que retornou, jamais voltou a deixar o castelo e que seu refúgio tornou-se o jardim, onde confecciona roupas para as diversas crianças perdidas, abandonadas ou esquecidas de todos os vilarejos das redondezas, sem se importar se elas serão usadas ou jogadas fora.

FIM