terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Estrangeira


Curioso como todo verão sou estrangeira na Bahia, minha terra. Não falo “baianês”, mas costumo usar os jargões tão típicos da terra, como “ôxe”, “vixe”, entre outros, assim como os hábitos locais, como que comer bolo e biscoitos dentro do café, feijão com farinha e banana, coisas tão tradicionais daqui. Mas, a cada esquina, nas ruas do Centro Histórico, Comércio e/ou Barra (os centros turísticos de Salvador), eu sou gringa.

Quando mais nova, gostava de não pertencer a tudo aquilo, que considerava um pouco brega e tão distante do que queria para mim, mas agora, que, por opção, decidi permanecer na Bahia, apesar dos pesares, como explicar isto?!

Quando vou para o exterior, sou nitidamente de outro país, ou seja, estrangeira e, quando estou na Bahia, também sou estrangeira?! Assim, comecei a questionar a minha própria identidade.

Li algumas coisas sobre identidade, inclusive sobre identidade digital, já que minha mãe trabalha com isto! E, estranhamente, não pareço encontrar minha identidade aqui. Já ouvi de uma facilitadora de Biodança, que existe em cada um de nós a necessidade de ter identidade e que olhar no olho do outro e reconhecê-lo é fundamental. Já ouvi de um policial, que ter um número de identidade que me identifique, me torna gente e não escória...e, conseqüentemente, fácil de ser identificada. Mas creio que, como muitos que conheço, não encontrei aqui minha identidade. Sempre que volto para Salvador após uma viagem ao exterior, sinto falta de coisas simples, que vejo como tão características daqui, como, taxistas que lhe atendem aos gracejos, com um palito entre os dentes, dizendo “good morning, minha gringa, táxi?!”, ou de ouvir nas ruas. “vai, amor dos outros, mas volte pra cá, pra alegrar meus olhos”, o Solar do Unhão, o pôr-do-sol, no Farol, sair para caminhar, encontrar alguém conhecido e tomar uma “gelada” para comemorar o encontro e tantas outras coisas que só vi e só fiz aqui. Mas, mesmo isto tudo, me faz ter uma sensação de ser estrangeira em meu próprio Estado.

Não importa a cidade que vá, no Rio, em São Paulo, em BH, Fortaleza, Aracaju..., sou de qualquer lugar, nunca da Bahia. Já ouvi que sou muito branca, que tenho pouca bunda, que não falo baianês e tantos outros, que me sinto um pouco confusa, às vezes, sobre o lugar que pertenço.

Só fico feliz mesmo porque criei identidade entre meus amigos que mesclam culturas, sotaques e nacionalidades, mas olhar nos olhos deles e ser reconhecida e, melhor ainda, ser compreendida, me faz estar segura, que sou Paola Guimarães de Andrade, nascida e criada em Salvador, mesmo que toda vez que entre numa loja falando em bom português: “ bom dia, senhor, será que o sr poderia me ajudar?” – escute – “ bonjour”, “good morning”, “bonna sera”, “buenos dias” – começo a achar que isto não passa do sonho de muitos baianos carentes, de serem felizes no estrangeiro, ganhando dinheiro suficiente para “esfregar na cara do sacana, que pode viajar mais Johnny, no fim do mês, e ficar no carro, esperando no ar condicionado apenas uma hora de relógio por Dona Zezé, porque no bolso têm dinheiro de sobra para esbanjar no ar, no acarajé com cerveja, nas roupas ou no que for!” ..... Enfim, acho que tudo não passa da necessidade do outro de ser reconhecido como negro, bonito, inteligente, de nome..., com identidade número..., por todas as brancas dentro e fora da comunidade e ter tudo o que os brancos que moram nos arranha-céus têm, para deixar de ser “perrapado”!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A Libertação de Vaneuza





Mulher sentada na Praça da Sé, com saia longa preta, camisa de manga, colorida. Sentada na beira do banco, balança as pernas irriquietamente e carrega em suas mãos trêmulas um livro.

Vaneuza despertou às 04:30 já ouvindo o galo que não havia sequer iniciado o seu cacarejo. Já estava tão habituada a acordar com seu canto, que já o ouvia antes mesmo dele cantar. E foi o que aconteceu cinco minutos mais tarde, quando já escovava os dentes. Filha de uma vendedora de picolé com um ambulante, Vaneuza havia casado cedo para se livrar do tumulto que vivia numa casa com dez filhos que se espremiam no único cômodo da casa, e que eram obrigados a dividir o pouco espaço que tinham com a TV de tela plana, o som de 3000 watts de potência, uma geladeira Brastemp e um forno de uma única boca. Casou-se com José, aos 16 anos, peão de obras oito anos mais velho que ela, que, na época, a tratava como uma princesa e lhe fazia constantes juras de amor.

Terminou de escovar os dentes o mais rápido que pôde, correu para fazer o café, e esquentar o pão na frigideira. Às 04:50, lá estava ela, com os cabelos bem repuxados para trás, um sorriso terno, a dar beijos no marido, o convidando para o café. Ela sequer se dava ao trabalho de tirar a camisola, porque sabia que assim que despertasse o marido, ele a puxaria com certa violência, lhe daria beijos melados, com gosto de despertar, subiria nela e, em pouco mais de dez minutos, lhe deixaria com as marcas do seu sêmen. Este era seu ritual matinal. Era assim todos os dias, Vaneuza até que gostava, afinal, assim era seu príncipe, que lhe tirou de casa, lhe fez mulher e lhe dava tudo que um homem podia dar, roupas bonitas, recém-saídas dos camelôs, eletrodomésticos de última geração e uma casa que era só dela, bem de frente para o mar da Boca do Rio.

A vida dos dois revirou-se dez anos após o casamento. José pegou vício pela pinga depois do trabalho e o vício, que a princípio era por puro prazer pela companhia dos amigos, também peões, tornou-se um suplício. José passou a beber por força maior do seu organismo, mais do que por prazer e esta força maior levava com ela, as parcas economias da casa. Vaneuza, que pelas manhãs fazia a faxina e à tarde, lavava roupas para as grã-finas da Barra, via suas economias serem comidas cada vez mais violentamente pelo fogo intenso do álcool, que comia, como um vírus arrasador, o salário dos dois. Foi justo quando as economias minguaram, que José abandou as juras de amor e as trocou pelos gritos. Não demorou muito para os gritos de protesto pela falta de dinheiro para patrocinar o álcool se tornassem surras, que Vaneuza agüentava com a resignação de quem acredita que aquilo era apenas o lado escuro do amor que José nutria por ela.



Todas as noites era a mesma coisa, se ela não chegasse no horário, ela apanhava, se o ônibus atrasasse, ela apanhava, se o café não ficasse pronto, outra surra. O nervosismo de Vaneuza começava já às 17:00 horas, quando sabia que tinha de pegar a condução para casa. Às vezes, mal conseguia encostar na cadeira do ônibus, tanto pelas marcas da agressão sofrida na noite anterior, quanto pela antecipação do castigo. Mas, pensava nos carinhos, nos beijos de amor, que vinham após a agressão e rezava baixinho por ter tido a graça de ter encontrado um marido que a tirou de casa, aos 16 anos, e a levou para um espaço só dela, onde ela era rainha absoluta e, assim, havia tornado real seu sonho de menina.

Rezava baixinho, pedindo a Deus misericórdia contra a violência que sabia que iria sofrer, fosse pelo motivo que fosse, quando uma senhora bem apessoada, de coque, óculos, saia longa cor-de-rosa e camisa negra de flores azuis, um pouco larga senta ao seu lado e, ouvindo suas orações, a convida para assistir um culto, na Igreja da Fé, que iria ocorrer dali a mais trinta minutos. A senhora chamava-se Dona Odete e falava do culto, quase que como num transe, seus olhos brilhavam, Vaneuza podia ver a felicidade estampada na cara da senhora. Olhou o relógio, pensou na punição e procurou saber se haveria outro espetáculo daqueles no dia seguinte. Dona Odete não só garantiu que sim, como prometeu encontrá-la naquele mesmo ônibus, no mesmo horário em que haviam se encontrado hoje.



No dia seguinte, atrasou-se um pouco para o trabalho, queria estar tão bem apessoada, quanto a senhora, para conhecer o culto-espetáculo, que ela tanto lhe havia falado. Ajeitou o cabelo num coque e às 17 em ponto, estava ela no ônibus, nervosa, não mais por ter que enfrentar o marido, fato que ela tentava esquecer, já que ela apanharia de qualquer forma, pelo menos, desta vez, seria resguardada pela mão de Deus! Após pouco mais de cinco minutos, que para Vaneuza pareceram 35, a senhora entrou no ônibus. Desceram três pontos depois e a senhora a conduziu para um lugar lindo! A Igreja era um centro majestoso, com torres altas e coloridas e bancos de madeira, tudo era vermelho e dourado, ela pensou, que o céu devia ser assim, com uns toques de verde.

Vaneuza chegou em casa estasiada, tanto, que até esqueceu que havia chegado uma hora depois do seu horário habitual e que não teria tempo de preparar a refeição antes do marido chegar do bar. Ela pensava, enquanto corria para tirar a roupa e preparar a comida, quer dizer que o demônio está no corpo do meu marido e por isto que meu príncipe se tornou um dragão de sete cabeças, que solta fogo pelas ventas e vocifera palavras horríveis sobre mim? Quer dizer que só a Igreja pode curá-lo e trazê-lo de volta para mim?! Quer dizer que a Igreja pode purificá-lo em troca, apenas dos meus serviços como pregadora, limpadora ou por uma simbólica taxa de R$50,00?! O que são R$50,00 para quem gasta mais que isto no final do mês com pinga?! Na distração dos seus pensamentos, deixou a panela cair no chão justo quando seu marido entrava na casa. Foi só ele abrir a porta, pro seu nervosismo não deixá-la limpar o chão de maneira rápida e eficiente como fazia todos os dias nos 15 quartos que limpava todas as manhãs. O marido a puxou pelos cabelos, esfregou sua cara no chão, a obrigou a lamber o que ali se encontrava, a penetrou violentamente, enquanto gritava “toma puta no cu, que é aí, que eu tomo todos os dias!” – ela, ouvindo a voz do pastor em sua cabeça, ergueu-se trêmula ao fim do ato e disse
- Eu tirarei o demônio do seu corpo! Custe o que custar!!!!



Ele não lhe deu ouvidos, mas achou graça da frase. Cinco minutos mais tarde, já roncava sobre a cama. Vaneuza foi para o quarto lavar-se, dormiu coberta até o pescoço, encolhida e frágil, com um sentimento cívico, que só os policiais que se expõem as balas da favela na certeza de que destruíram o inimigo que só fazem o mal, sentem. O misto de medo e heroísmo lhe dava certeza de que devia seguir, mesmo que, no final encontrasse o céu, ela sabia que naquele céu vermelho e dourado com uns toques de verde, ela poderia descansar por ter morrido tentando libertar o marido do pecado que estava imerso, sem perceber. No dia seguinte, Vaneuza acordou com sua meta em mente: tirar o demônio que penetrou no corpo do marido pelo álcool!



Foi para o Templo conversar com pastor, para que este a ajudasse a sanar seus problemas. Após ter-lhe explicado tudo, concordou quando este a convenceu que era pecadora, por não ter reconhecido o demônio quando ele entrou no corpo do seu marido, e que a única maneira de se redimir por seus pecados era servindo a Deus e realizando a limpeza dos 800 m2 da Igreja de graça. O Pastor concordou ainda em retirar o demônio do corpo do marido. Vaneuza pensava que aquele homem, alto, sério e moreno a sua frente era mesmo um guerreiro e a encarnação do próprio Jesus, pois só um guerreiro poderia olhar nos olhos de diversos demônios, todos os dias, enfrentá-los, vencê-los e, apesar de exausto, seguir derrotando-os, todos os dias. Vaneuza invejou sua coragem e achou que aquele era um bom exemplo a ser seguido. Explicou-lhe sua necessidade urgente de retirar o demônio do corpo do marido e o pastor a informou que, por ser aquele um serviço difícil a cobraria R$100,00, taxa simbólica se considerando, que o marido ganharia uma entrada no céu, após o serviço. Vaneuza, encantada, não pode dizer não. Afinal, ele era um homem tão bom e estava lhe fazendo um grande favor, retirando todo o mal da sua casa, da sua alma e da alma do seu marido. Todo o dinheiro do mundo era pouco para tudo aquilo!

Vaneuza levou seis meses para conseguir reunir R$100,00 a mais, já que só podia trabalhar extra aos sábados, porque aos domingos, fazia sozinha a limpeza da Igreja. O pastor recebeu o dinheiro de bom grado e atribui-lhe ainda uma segunda tarefa. Ele a informou que o serviço de retirada de demônios devia ser um serviço conjunto e que a parte dela envolvia proferir a palavra de Deus para os transeuntes. O pastor afirmava que só pregando a palavra de Deus para os passantes, ela conseguiria levar Deus para seu marido e convencê-lo a vir para a Igreja, para a cerimônia de retirada do demônio que havia ficado preso em seu corpo. Seguiu seu discurso, informando-a que pregaria na Praça da Sé, afirmando que ali era um dos maiores abrigos das forças do mal e, como o demônio que habitava o marido era forte (ele podia sentir), ela devia pregar para o maior número de pessoas possíveis. Aquele, definitivamente, seria o local ideal. O pastor falava de modo tão eloqüente, tão bonito, que depois de um determinado tempo, Vaneuza já não conseguia sequer acompanhar tudo o que o pastor dizia, só acenava afirmativamente a cabeça, maravilhada. Acabou concordando que só enfrentando seu maior medo, falar em público, é que estaria preparada para encarar o monstro que seu marido havia se tornado.

Vaneuza sempre fora uma menina tímida. Na escola, não havia conseguido sequer terminar o segundo grau por não conseguir perguntar, nem mesmo, aos seus colegas o conteúdo que não compreendia. Se tremia só de pensar na possibilidade, de erguer o braço no meio de uma sala tão cheia e fazer uma pergunta em voz alta. José a havia conquistado, por estar todos os dias na sua porta, falando, praticamente, sozinho, já que ela era tímida demais para responder as suas perguntas. Só depois de um mês, teve coragem de responder as constantes perguntas e o namoro foi levado assim, uma nova resposta a cada dia, até que após um ano, ela já se sentia livre para realmente conversar com ele. Sua mãe sempre lhe dizia que ela não era bicho do mato, para ficar se escondendo pelos cantos, mas Vaneuza achava que ser bicho do mato, era mais fácil, sonhava em ser invisível, para não ter que sofrer as agruras do mundo, nem ver seu pai e sua mãe fazendo coisas, ou quando seu pai fazia coisas com suas irmãs ou quando seus irmãos faziam coisas sozinhos, ou com suas irmãs. Vaneuza pensava que se fosse invisível, ninguém faria coisas com ela. E passou a maior parte da sua juventude tentando e, na maioria das vezes, conseguindo, ser invisível. Só no dia 13 de março de 1995 é que deixou de ser invisível, porque José a viu e fazia questão de vê-la todos os dias. Foi quando quis e gostou de ser vista. Gostou mais ainda quando ganhou uma casa e pôde criar seu castelo nela.


E agora, às 17:30, do dia 16 de maio de 2006, lá estava ela invisível na Praça da Sé, tão invisível que as pessoas se batiam nela, constantemente. Seu corpo inteiro tremia, como iria pregar assim, sentia um piado no peito, o suór lhe escorrendo pelo corpo inteiro. Resolveu sentar-se num dos bancos de concreto da praça, seu corpo era tomado por espasmos musculares que o agitavam por inteiro e a faziam dar pequenos pulinhos no banco. Sua cabeça era uma agitação só. Uma parte de si acreditava que aquele era o único caminho para a salvação da sua alma e a do marido, a outra a deixava paralisada. Após trinta minutos, ergueu-se trêmula, mas determinada e começou a proferir baixinho a palavra de Deus, e via, com terror, os olhares assustados das pessoas, para ela, que a miravam como se fosse uma dessas loucas de rua. Fechou os olhos, não podia deixar os demônios da Praça da Sé, contê-la. Abriu os olhos com força, como que para mantê-los abertos e andando nervosamente de um lado para o outro, abriu a Bíblia na página marcada, tentando focar as letras, já que o livro subia e descia em suas mãos, e sua voz trêmula mal se escutava, os transeuntes começaram a atravessar a rua, para evitar sua presença, ela num ato heróico, explodiu entre lágrimas a palavra de Deus, aos gritos e aos prantos, pensando no marido em como ela queria que fossem felizes, como já foram, enquanto ela professava a palavra de Deus. Vinte minutos mais tarde, Vaneuza já não via os passantes, não prestava atenção aos seus olhares, não sentia medo do seu julgamento, estava só, no mundo, como sempre estivera, ouvia ao longe sua voz, gritando entre lágrimas a palavra de Deus. Fechou o livro, abriu o peito, sentiu-se vitoriosa, havia encarado e matado seu próprio demônio, agora sim, estava preparada para enfrentar o demônio preso no corpo do marido. Já não tinha medo da surra, do órgão sexual, das palavras do marido, estava, finalmente, livre.

Voltou para casa decidida a convencer o marido a se entregar a palavra de Deus e libertar-se do maldito. Ao chegar em casa, Vaneuza deparou-se com o esposo sentado no sofá com as pernas abertas, entre elas, seu órgão rijo era vigorosamente sugado por uma negra magra, de cabelos curtos e escuros. O marido soltava pequenos gemidos de prazer, com os olhos fechados e beliscava o seio direito da negra, com os dedos. O ambiente fedia a álcool. Ao perceber sua presença, o marido anunciou que aquela agora seria sua nova mulher e que viveria ali com os dois, mandou-a para a cozinha, não sem antes agarrar-lhe a saia e indagar sobre o traje. Vaneuza respondeu que fora para a Igreja, para ajudar o marido a livrar-se do diabo, mas agora ela percebia que o demônio não só habitava o corpo do marido, como havia se espalhado pela casa. Era tarde para salvá-lo, afinal, ele não só estava manifesto, como ainda havia trazido consigo outros demônios para dentro de seu próprio lar. O marido soltou uma gargalhada, mas parou de prestar atenção na esposa, quando a negra montou em cima dele. Seus olhos reviravam de prazer, a negra o cavalgava como se fora um animal, e ele relinchava, respondendo ao apelo da mulher. Uma imundície! – pensava Vaneuza! Como podia aquela mulher ser tão suja?!



Foi para a cozinha, fez a comida alternando entre a raiva e a resignação. Colocou o alimento na mesa, justo no momento que seu esposo derrubava a negra do chão e enterrava sua cabeça contra seu pênis, fazendo com ele gemesse, alardeando seu prazer e que a negra engasgasse. Ele segurou o rosto da mulher, tapou violentamente sua boca, e gritou, enquanto a esbofeteava. “Engole puta, que nem meu caldo você merece!” Vaneuza voltou para trazer a cerveja para mesa. Foi quando se deparou com a negra gritando com o marido, dizendo-lhe que agora cavalgaria na sua cara. O marido ria, feliz. Vaneuza voltou para a cozinha, pegou a garrafa de álcool deixada pelo marido e saiu espalhando-o pela casa. Se o demônio havia se infiltrado ali, deveria ser expulso ali, pensava. Ela não o carregaria consigo! Ouviu a negra gritar escandalosamente de prazer, enquanto pegava os palitos de fósforos. O marido nunca havia proporcionado prazer para ela, por isto, Vaneuza via tudo como um grande teatro do demônio para fazê-la cair em tentação, “o diabo, sempre irá lhe atrair pelos prazeres da carne, lhe dizia o pastor, logo, a abstinência é fundamental!” Apanhou as calças do marido, de onde tirou as chaves e algum dinheiro, para pagar seu lugar no paraíso, no Templo, no dia seguinte. Não levou nada, ficou apenas com a roupa do corpo, o diabo que carregasse consigo todo aquele peso! Viu a casa queimar, achando que até mesmo para levar para os quintos dos infernos, o Diabo gostava de dar espetáculo. O fogaréu se alastrou rapidamente no barraco de madeira e Vaneuza viu seu castelo ruir pelos ares, mas não ouviu os gritos, nem o barulho de seu marido se chocando contra a porta do barraco, nem mesmo viu quando seu marido desabou em chamas a poucos metros dela, pois havia fechado os olhos e aos prantos, proclamava as palavras de Deus, Vaneuza estava novamente só, não ouvia os estalidos do fogo, sua respiração ficara pesada pelo excesso de fumaça, mas não prestava atenção a isto, sua cabeça estava no paraíso, na viagem do marido para lá e na expulsão do diabo, que voltava ao inferno, para, novamente, habitá-lo.



Os vizinhos começaram a correr para portas, para acompanhar o espetáculo. Viram, uma mulher, que não reconheceram, caminhando nervosamente de um lado para o outro, parecendo recém-saída das portas de fogo, que pareciam se abrir às suas costas, gritando palavras incompreensíveis. O espetáculo era tanto que tardaram em chamar os bombeiros. Ou estes tardaram a chegar, imaginando ser um trote de uma das crianças da região. Quem primeiro chegou foi Dona Odete. Trazia bolinhos e vinha ajudar Vaneuza, a pedido desta, a levar seu marido para Igreja. Ao chegar, viu o fogo, assustou-se, viu o estado de Vaneuza, abraçou-a, ajoelhou-se e gritou ”Aleluia!” – e Vaneuza a acompanhou. E ficaram lá, gritando “Aleluia, o senhor o salvou”, por pelos menos dez minutos. Até que ergueram-se, como se tivessem terminado uma oração. Dona Odete, puxou Vaneuza pela mão e foram de braços dados até o ônibus. Os bombeiros chegaram junto com a polícia, no exato momento que as duas pegavam o ônibus.



Testemunhas disseram que uma louca recém-saída das chamas gritava palavras incompreensíveis e que a esta se juntou uma senhora, e que juntas pareciam invocar um ritual satânico em meio as chamas. Ficaram tão hipnotizados pela cena, que não as viram partir, nem sabiam informar que direção haviam tomado.

No dia seguinte, após o trabalho, Vaneuza encontrou-se com Dona Odete, na porta do Templo, pagou a sua entrada e a da senhora no paraíso. Vaneuza entrou no Templo confiante, sabia agora, que, não só o pastor, mas ela também, guiada por Deus, era capaz de enfrentar e vencer o demônio, ganhava assim a tão sonhada liberdade. Vanueza estava, finalmente, em paz.



....

Após algumas anos, Vaneuza se torna a primeira pastora mulher dos templos evangélicos. Sua atuação era sempre tão efusiva que com o dízimo ela pode construir seu próprio Templo. Seus trabalhos extras, quer eram, basicamente, tirar o diabo e a vida dos maridos que violentavam ou espancavam suas mulheres, lhe renderam fama nacional, além de mais seguidoras tão fervorosas na fé de um Deus vingador, como a própria Vaneuza. A vida e glória de Vaneuza só chegam a um fim quando um político famoso da região de Eunápolis perde a vida misteriosamente e sua esposa alega, que que não fora crime, só mais uma obra do senhor. Seu último ato como pastora a leva atrás das grades. Mas na prisão, Vaneuza consegue convencer as detentas do poder de Deus e juntas rebelam-se contra o sistema que as desumaniza. Sem poder conter as constantes rebeliões fomentadas por Vaneuza, as autoridades decidem trancafia-lo num asilo para loucos, chamado de Juliano Moreira. Nos primeiros meses, Vaneuza conseguiu converter algumas enfermeiras e auxiliares de enfermagem, mas após dois anos, Vaneuza começa a ver a luz permanente do fogo crepitando a sua frente e com seu corpo em chamas, proclama suas últimas palavras de fé, com os olhos fechados, gritava entre gritos que não pareciam os eus, que estava, finalmente, voltando para casa.


sábado, 22 de novembro de 2008

Mera Distração


Segundo Adriana Falcão, " Pouco é menos da metade". Sempre fui desatenta, umas horas mais, outras menos. Nestas variaçãoes fui relatando coisas a minha psico até que ouvi dela que tinha TDHA. E esta estória vem fazendo milhares de bums na minha cabeça. Justo quando comecei a estar atenta as coisas, ou a pensar mais nisto, nas notícias, na política, na economia...Veio alguém bater no meu ombro e dizer que, se está afetando sua vida, e está..., eu o tinha! Segundo a associação dos portadores de TDHA, " O Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH) é um transtorno neurobiológico, de causas genéticas, que aparece na infância e freqüentemente acompanha o indivíduo por toda a sua vida. Ele se caracteriza por sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade. Ele é chamado às vezes de DDA (Distúrbio do Déficit de Atenção). Em inglês, também é chamado de ADD, ADHD ou de AD/HD."( http://www.tdah.org.br/oque01.php) A associação ainda afirma que existem dois sintomas: desatenção e hiperatividade-impulsividade. Passei uma parte da vida tentando entender o porquê de ser assim, um pouco tonta; passei a outra parte, buscando maneiras de estar ligada. E ouvir que tenho isto, me fez sentir desligada...Fiquei pensando na psicologia, que afirma sermos sempre os responsáveis pelas nossas patologias físicas. Concordo muito com isto! Só não encontro a resposta para a pergunta que insiste em não calar: " por que preciso desligar para não ver - já que uso óculos - e não sentir? Como me isolar do mundo e viver num mundo paralelo - serei eu esquizóide?! - pode melhorar a minha vida? Se alguém encontrar a resposta, por favor, me mande, acho que a perdi no caminho, por mera distração...

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Saudade dos que estão longe


"Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança para acontecer de novo e não consegue." Adriana Falcão

Entrei numa onda de saudade. Ouvi uma amiga falar dela no telefone. Moramos na mesma cidade, mas quase não nos vemos, mal moderno, dizem, cansaço, distância, excesso de trabalho, escassez de disposição... Ouvi-la, me fez perceber a falta que sentia dela, que está tão perto do meu coração e tão distante fisicamente. Ainda hoje, lendo o blog de uma amiga, quase choro de saudade, de ver aquela carinha olhando pra mim, com um sorriso alegre e maroto! Ler suas noticias, não só me deu saudade de Bremen, como me fez querer ir pra lá novamente e rever todos os amigos que fiz, apesar do pouco tempo. E desde o início do mês, me sinto uma criança carente, louca pra minha irmã mais velha voltar. E ela, nem sabe se vem ou se fica. Sinto falta ainda dos que não voltarão, dos amigos que não são mais amigos, da minha avó que se foi, das canções que ouvia... Sinto saudades ainda dos que estão muito perto, mesmo estando tão próximos, morando na mesma casa ou não, parece que o tempo insiste em não passar pra vê-los... Enfim, tempos de Nostalgia e saudade... Deve ser a lua!