terça-feira, 28 de junho de 2011

Apartamentos e Sapatos











Salvador passa por um bum imobiliário. Prédios de 20, 30 andares são erguidos em áreas distintas da cidade num piscar de olhos. E com aspecto cada vez mais modernoso, esses edifícios vão enchendo e poluindo a vista da cidade. Entretanto, a despeito da criatividade dos arquitetos, a descrição sumária de qualquer imóvel considerado novo, comprado ou não na planta é: caixa de fósforos. Essa prerrogativa parece ser tão preponderante que até os programas de TV já dedicam minutos de suas edições para orientar o cidadão a melhor decorar seu pequeno espaço e fazê-lo parecer maior. São usados espelhos, peças flutuantes, TVs que se fixam às paredes, prateleiras, camas com gavetas etc. Aí, você entra no prédio: piscina, salão de jogos, sala de esportes, churrasqueira, sauna, quadra etc. Se encaminha para o apartamento e abre a porta para aquele pretenso luxo vestido de branco, adesivos de parede, sofás-camas retráteis, beliches, mini mesas de centro, mesas de jantar redondas com tampo de vidro móvel - tudo, tudo feito visando a economia de espaço e uma aparência elegante apesar dos poucos metros quadrados. E eu me pergunto: Vale a pena?


Vendo a reportagem sobre como melhor utilisar o pouco espaço da sua nova casa que você passou trinta anos pagando, fiquei me questionando se essa moda não se assemelhava à moda dos sapatos. Desde que me entendo por gente, chique é salto e (pior) fino. Se você vai no shopping, plataforma, se vai no mercado sapatilha, se vai numa festa, salto 15, se vai ao motel, 30. E os dedos dos pés ficam lá, escondidos, espremidos, montados uns sobre os outros, confinados a uma total falta de espaço em troca de uma aparência mais pomposa. Dor, calos, vermelhidão, nada parece findar o ânimo de milhares de mulheres (e também homens) que se cercam de mais sapatos apertados do que seus pés e sua coluna podem suportar, mais sapatos que dias da semana! Antes com a predominância do preto e marrom, basicamente, hoje com o ofuscante (e quase cegante!) rosa choque, azul, verde e amarelo, acompanhados de shorts ou mini saias, tudo muito chique a depender da moda vigente.


Me impressiona a mídia e seu poder. Que convencionou como normal (leia-se normótico - salve Pierre Weil) espremer-se em pequenos espaços ao invés de refestelar-se em grandes áreas abertas. Vá lá que grandes áreas abertas são mais difícies de encontrar e consideravelmente mais caras. Mas prefiro ficar economizando por 30 anos por uma casa espaçosa com área ampla para móveis, circulação de gente, de bichos, de ar, a um restrito catre. Assim como creio que ter os pés livres torna nosso corpo mais livre, mais aberto, para a circulação de ar, de sangue, de emoções e o que mais vier. Um apartamento na Pituba de 120 metros pode parecer chique de longe. Mas um de 300 nos Barris, por exemplo, tem mais pompa, mais classe, mais robustez. Assim como sapatos que permitam o movimento levam o corpo a re-encontrar sua graça natural, sua finesse interior.


Seja um apartamento ou um sapato, acredito que espaço é necessário à vida e defender sua necessidade de área livre faz parte da natureza animal do ser humano e só assim, permitindo-se ampliar os próprios terrenos é que é possível se sentir tão confortável e livre para fazer os próprios olhos e os olhos dos outros brilhar de admiração.