domingo, 5 de dezembro de 2010

O Caminho das Flores





Laura era uma mulher como poucas. Aos sessenta anos já havia passado por todas as agruras da vida sem desmoronar. Vira seu pai ir para o céu ainda menina. Aos cinqüenta, foi a vez de sua mãe ir embora e aos cinqüenta e cinco, seu marido entrara em colapso nervoso, ruindo diante da perda de seus pais, num acidente de carro. Viu-se, então, na perspectiva de cuidadora, dedicando-se ao esposo quase que todos os momentos de seu dia. Mas, Laura, insatisfeita com a possibilidade de passar o resto da vida sem ser reconhecida, resolveu investir em si mesma. Era jovem, bonita, inteligente e saudável. Foi com tamanha determinação agarrar o tão sonhado reconhecimento, que cinco anos mais tarde ele chegou. Tornara-se gerente geral de sua empresa. Trabalhava dez horas por dia, e, quando chegava em casa cuidava do marido, da casa, e ainda, quando tinha tempo, dava assistência a filha. Sentia-se no topo do mundo, ela havia logrado ser boa em todos os aspectos de sua vida.



Quanto mais problemas tinha a resolver, mais se sentia energizada. E passou a acordar às quatro da manhã para continuar freqüentando a academia e, com isto, ter mais energia para enfrentar a tudo e a todos. Mas depois de um ano de maratonas, seu comportamento fora alterado. O sucesso viera acompanhado de um imprevisível estresse. Logo ela, tão resistente, ficara estressada! – pensava ela, relutante. Mas seus gritos, cada vez mais freqüentes, a denunciavam. Negou o cansaço, o estresse, as gripes; negou toda sorte de dor ou desconforto até onde pode, até que, permitiu-se uma folga e tirou férias. Vinte dias, labutava ela, seriam mais que suficientes para descansar e se recuperar. O seu próprio estresse havia se tornado desconfortável, até para ela mesma.



Agendou sua própria viagem, arrumou suas malas e a do marido. E quando fez a lista de contas a pagar para a filha sentiu algo que não havia se permitido sentir nos últimos dez anos. Sentiu cansaço. Resolveu deitar um pouco, quem sabe, vinte minutos de sono, façam-no desaparecer. Mas, vinte minutos de sono, tornaram-se vinte horas de sono. Seu esposo, preocupado, e um pouco desorientado, pela falta de seus medicamentos, a acordou. Ela, impaciente, levantou-se, mas viu o mundo girar e tombou na cama, novamente. Sua respiração estava abreviada e sentia-se como se estivesse se afogando sobre a cama. O marido, desesperado, ligou para sua filha, que chegou às pressas para levar a mãe na emergência.



Laura relutou até onde pode, mas sua relutância foi tão breve, quanto sua respiração. Passou a tarde sentada na maca, aguardando os médicos plantonistas, que não consideraram seu caso grave. Mas no final da tarde, não conseguia mais manter-se sentada, e deitou. O médico chegou minutos mais tarde para informar o diagnóstico. Ela sentou-se, novamente, pronta para tomar o medicamento e voltar para casa, viajaria no dia seguinte, por que aquele infeliz a segurava ali? Entretanto, o médico não trouxe nenhum remédio, trouxe, sim, más notícias, que pareciam bombas a explodir na cabeça de Laura. A senhora tem um derrame pleural secundário a uma pneumonia não tratada (PUM), terá que ficar internada (PUM), na UTI (PUM). Ela tentou falar, mas não lhe restava muito ar, conteve o choro. Havia perdido sua viagem de descanso, continuaria estressada.



Foi só quando viu seu marido e sua filha se distanciarem, que se deu conta do ocorrido. Ela, Laura Magalhães, taurina, sessenta anos, que sempre fez atividade física, que sempre teve uma saúde de ferro, que nunca ficou de cama, estava sendo internada por tempo indeterminado. Começou a rezar quando ouviu o barulho ensurdecedor da UTI com seus respiradores, seus gemidos de convalescentes, médicos, enfermeiras, técnicos. Sua primeira noite no hospital lhe pareceu um estupro. Os sons lhe invadiam e não havia maneira de contê-los. Ao seu lado, um paciente delirante falava para quem quisesse ouvir suas senhas, seus códigos de banco, seus montantes de dinheiro, seu testamento. Quando Laura viu a filha, só teve um pensamento, dizer-lhe que era tudo um grande engano, que ela era mais saudável que a própria cria, que ela demandava que a tirasse dali, imediatamente. Porém, quando tentou falar, nem ela mesma ouviu sua voz. E adormeceu.



A partir dali, sua vida parecia ter se transformado no inferno de Dante. De hora em hora, entravam pessoas, que olhavam a placa afixada na parede que dizia:



LAURA MAGALHÃES



60 anos



Alérgica à AS



Pigarreavam e forçavam um sorriso, para lhe perguntar como estava, se havia dormido, como se sentia. Laura tinha vontade de gritar as respostas àquelas perguntas tontas. Claro que não estava bem, afinal de contas estava num hospital, internada em uma UTI, como podia estar bem? Claro que não conseguia dormir, o paciente ao lado não calava a boca e os funcionários não paravam de entrar em seu leito! E como se sentia frágil. A fragilidade não lhe era bem vinda, sempre se esforçara para não demonstrar qualquer tipo de fragilidade, mas agora estava ali, com a fragilidade que escondera por anos, totalmente, a mostra. Como resposta, Laura apenas sorria e acenava com a cabeça. Ninguém parecia se importar.



No dia seguinte, sentia-se mais ativa, mas os médicos pareciam não concordar com ela. Passava o tempo inteiro esperando ver os rostos da filha e do esposo. Todavia, já tinha certeza de que teria que passar algum tempo ali. Começou a rezar para sair dali logo. Perguntou pelo paciente ao lado, as auxiliares lhe disseram que fora a óbito. Seu coração disparou. Havia chegado seu momento de ir? Não! Não, Não! Gritava a voz dentro de sua cabeça. E começou a rever tudo que teria que passar para filha caso algo lhe ocorresse. E continha as lágrimas de tristeza. Entrou no lugar do paciente que foi a óbito, um outro, que passou a noite inteira chamando uma tal de Maria e mandando lembranças para Josy e Cristina, as filhas? Até que, depois do que pareceu uma eternidade para Laura, ele se calou. Mas o silêncio dele acendeu o barulho das máquinas e Laura pode ouvir toda a correria dos médicos para reanimá-lo. Mas, já era tarde. Laura pode ouvir o som do “pin”, que, até então, só ouvira em séries médicas.



Laura se sentia no corredor da morte. Juntou todas as suas forças para orar e pedir clemência a Deus. O que quer que tivesse feito de tão ruim, já estava pago! Ouviu do médico que seu derrame havia aumentado. Não deu muita bola até ver a cara da filha. Pressentiu, então, que algo pior estava por vir. E veio. Colocaram nela uma máscara dizendo que, com ela, respiraria melhor. Mas quem quer que tenha inventado esta máscara, não entedia lhufas do conceito “melhor”. A máscara parecia um instrumento de tortura. Sentia que afogava a cada vez que inspirava, logo ela, que sempre teve medo de mar e de morrer afogada, agora, morria. Passou o dia inteiro se afogando e só não enlouqueceu, porque algo dentro dela, lhe dizia, com raiva, que quando saísse dali iria ser feliz. Rezou o dia inteiro para que aquilo fosse verdade, enquanto se afogava na máscara. Quando estava a ponto de perder totalmente as forças e a lucidez, sua filha intercedeu e os médicos concordaram em suspender seu sofrimento.



Se recusou a estender suas dores no hospital e decidiu que aquele era o ponto final de seu sofrimento. Mas teve os pensamentos interrompidos. Era hora da coleta de sangue. Fechou os olhos, como que para negar a cena, quando viu um técnico inexperiente lhe furar o braço três vezes, não encontrar sua veia e partir para novas tentativas no outro braço. Seu braços com três perfurações inchou imediatamente, ficou quase do tamanho de sua perna. E como se isto não fosse o suficiente, começaram a lhe furar, além dos braços, a barriga. “Ser feliz, ser feliz, ser feliz...” A frase lhe ecoava na cabeça.



Ao amanhecer do terceiro dia, já não suportava mais a idéia de ter duas mulheres que jamais vira lhe dando banho, lhe esfregando as partes, tendo que anunciar a hora de seus dejetos. Mas, tudo isto pareceu menor, quando viu sua filha sorrir pela primeira vez desde que dera entrada. Respirou fundo, e o sorriso lhe devolveu a gana de agarrar o mundo e ser feliz. Sua fisioterapia evolui para a caminhada. Mas, constatou que seu corpo, tão atlético havia perdido massa e a marcha lhe saía trôpega, insegura. Logo ela, meu Deus, tão segura, que sempre caminhara com passos firmes, largos e rápidos, não conseguia sequer manter a postura ou largar o braço forte do profissional. Foi durante a caminhada que criou seu segundo mantra, sairia dali logo e, quando voltasse, tudo iria mudar!



No quarto dia foi transferida para a semi UTI. O local era praticamente o mesmo e Laura tinha a sensação que havia mudado apenas para um espaço mais frio e mais apertado. O que tentavam fazer com ela naquele hospital? Deixá-la louca, ou matá-la de frio? A semi UTI era tão fria, que tornava sua respiração difícil. Parecia que o ar congelava antes de poder entrar em suas narinas. Pediu ajuda as auxiliares de enfermagem, que lhe trouxeram três cobertores. A assistência não lhe satisfez, se sentia no Pólo Norte, e parecia que todos os que trabalhavam ali haviam congelado junto com o ambiente. A única pessoa receptiva era um auxiliar, que sempre chegava ofertando um sorriso amável e um tratamento caloroso. Os médicos que iam e vinham em seus plantões olhavam para sua ficha, um pouco cansados e temerosos de não se confundir no diagnóstico, davam esperanças a ela de que aquela tortura estava chegando no fim. E, para ela, o fim daquela agonia parecia nunca chegar. A única pessoa negativa e que insistia em mantê-la ali era uma pneumologista que dizia que seu caso era grave e parecia querer acorrentá-la ali. Para ela, era fácil, fria, branca como a dama da neve, ela ia e vinha tranqüilamente no hospital, que aprecia ser sua segunda casa. Para ela o gelo polar, as agulhadas, o barulho das máquinas hospitalares eram sons musicais distantes e torturas necessárias. Claro, aquela sádica idiota não era a paciente! – pensava Laura. Todo torturador adora ver o torturado sofrer, mas ela, Laura Magalhães não seria mais uma de suas vítimas! Desde quando os médicos se tornaram tão perverso?, indagava a convalescente. Então, encheu-se de força e quando ouviu da suposta doutora que tinha de ficar em observação na semi UTI por mais alguns dias, ela replicou autoritária que ali não iria permanecer por nem mais um dia. Ainda reforçou a frase dizendo que se morresse, não a processaria, sequer ao hospital, por ela não poderia lhe causar dano maior do que mantê-la acorrentada ao iglu que estava. A médica, adivinhando a dor de cabeça que teria se a mantivesse ali cedeu aos desejos de Laura. Sua alta para o quarto foi concedida no dia seguinte.


Na tarde do sexto dia Laura foi levada para o quarto. Tamanha foi sua surpresa ao chegar ao quarto e se deparar com duas mulheres, uma na cama, a outra na poltrona. Não ficaria sozinha?! Não tinha direito a isto?! Não havia pago por isto?! Mas, Laura estava fraca demais para protestar, havia usado toda sua reserva de energia para confrontar a pneumologista. Buscou o abrigo de olhos conhecidos e encontrou os olhos do marido. Seus olhos condescendentes observavam o esposo. Como viveria ele sem ela? Será que ele conseguiria viver sem ela? A filha, com certeza, mas seu esposo. O que faria? Ligou para sua filha, que, para variar levou muito tempo para chegar. “Que ótimo” – pensou, ainda terei que conviver com mais estranhos! A paciente da cama ao lado parecia estar na casa dos oitenta e sua acompanhante muito mais jovem, parecia ser sua filha. Quando sua filha chegou pediu para que ela lhe auxiliasse no banho, mas este acabou sendo um desastre. A filha não sabia manusear o chuveiro e água acabou caindo gelada em todo seu corpo, nos curativos, nos drenos e Laura sentiu-se desmoronar e se partir em gotas. E com os olhos marejados, não disse nada, só continuou o seu banho, ouvindo os lamentos trêmulos da filha.


Quando saiu do banho, encarou as duas figuras, que lhe olhavam detidamente. Ah! Pelo menos são apenas duas e não há mais o barulho das máquinas. E deitou em sua cama sem dar atenção ou se incomodar com as outras. Sua filha não quis dormir no hospital naquela noite e seu marido insistiu em permanecer ali, não queria sair do seu lado. A senhora, Dona Júlia ficou encantada com o homem, e diante de seus apelos para que seu marido fosse embora, ela só disse: “Amor assim, minha filha, não existe mais! Deixe ele ficar. Só esta noite.”. Laura, tocada, como há tempos não se sentia, acatou o conselho da velha. No decorrer da noite, cada vez que precisava da ajuda de seu esposo, ele entrava em tal ansiedade que, ao invés de ajudá-la, acabava lha atrapalhando. Não queria brigar com o esposo, mas será que ele não percebia que não conseguia ajudá-la e que ela não estava em condições de se ajudar, imagine ajudar ele e ela para fazer todas as coisas. Seu marido insistia em cuidar dela. Mas como podia ele cuidar dela? Ele que sempre fora cuidado, nunca cuidador. Rezou para que a noite passasse logo e que a filha tomasse o lugar do marido. Mas, quanto mais rezava mais o marido a aturdia, até que o esposo caiu da cadeira e ela perdeu o fio que lhe restava de paciência e disse ao marido que era ela quem estava doente e que ele só a atrapalhava. Assim que fechou a boca, viu a dor nos olhos do marido. E fechou os olhos, sem forças. Foi neste momento, que sentiu um calor sobre seus olhos, o calor parecia estar levando as nuvens que embotavam seus pensamentos e sentimentos e ficou ali de olhos fechados. Quando os abriu, viu que a filha da senhora, Iara, havia ajudado seu companheiro a reerguer-se e que ainda mantinha suas mãos sobre sua testa. Iara lhe explicou que era médium, espírita, que ela lhe havia chamado a atenção desde a UTI e que vinha lhe aplicando passes desde lá. Sabia que a encontraria novamente, porque Laura, ela sentia, precisava de seus passes. Laura, pode sentir toda sua proteção e cuidado e lhe agradeceu sem palavras, apenas com seus olhos, do fundo de seu coração. No fim, Iara cuidou de todos.


Foram dois dias dividindo o mesmo quarto e Dona Júlia mostrou-se uma pessoa cheia de garra, muito determinada em viver plenamente, apesar das patologias que sofria nos rins, fígado e, principalmente, coração, aquela, definitivamente era uma mulher que amava demais. Suas conversas simples e cheias de amor, sua visão tão diferente do mundo, tudo nela levava a ternura. E sua filha, Iara, mesmo dormindo numa cadeira reclinável por duas noites, parecia não perder a disposição para o cuidado. Sensitiva, prestativa e atenciosa, quando não havia nada que ela pudesse fazer para acolher Laura, o esposo e Dona Júlia, ela, espírita e médium, aplicava passes em todos. Laura, tocada, decidiu que iria passar o bem adiante e que ela própria ajudaria alguém que ela sabia que precisava.


Após dois dias, o hospital percebeu que havia unido as duas por pura confusão das fichas dos planos de saúde. Com medo de sofrer processos jurídicos, remediou o erro, separando as duas. De incômodo, a princípio, Dona Júlia e Iara, acabaram sendo anjos, figuras divinas, a certeza de sua recuperação voltou forte nela. Laura foi transferida para um quarto maior, que dispunha de um sofá e uma cadeira para maior comodidade dela e do acompanhante. Dona Júlia vinha visitá-la todos os dias. Quando recebeu alta, Laura fez uma oração em agradecimento, mas, uma parte dela ficou muito triste em perder a companhia. Já havia conhecido toda a família de Dona Júlia. Entretanto, apenas Iara e Dona Júlia haviam lhe tocado o coração.


Continuou no quarto da UTI por mais sete dias. Rezava todos os dias para que seu suplício tivesse fim. Já não agüentava mais a comida, a cama, as medicações, a falta de privacidade. Com a partida de Dona Júlia e Iara, percebeu que precisava de cuidados maiores para o banho e outros e contratou uma auxiliar particular, assim poderia dar folga a filha e ao marido, que passavam longas horas no hospital ao seu lado. Só percebeu sua força voltar quando caminhou sem sentir falta de ar, sem ter as pernas bambas. E então, ela se viu renascer. Toda sua força, toda sua determinação pareciam voltar a cada dia, como num conta gotas, aos poucos, com cuidado ela foi ficando mais e mais independente, caminhava todos os dias, por todos os corredores do hospital, sempre se destinando à saída, era este seu foco. No sétimo dia no quarto particular, o pneumologista da UTI que lhe livrara da cirurgia pulmonar enquanto ainda estava na ala de cuidados intensivos, veio visitá-la. Ele, sempre portador de boas notícias, recitava ela, como um mantra pessoal. Mas, não podia deixar de tremer, com a perspectiva de ter de voltar as portas do inferno que era a UTI. Ele olhou atentamente seus exames e depois de um tempo que lhe pareceu interminável lhe deu um veredicto que encheu seus olhos de lágrimas. Ela estava de alta! Alta! Alta! Alta! Ela ouvia a voz do médico se repetir como um eco em sua cabeça.


Saiu do hospital determinada a passar a ajuda que obteve ali com Dona Júlia e Iara adiante. Ligou para Teresa, uma cozinheira, que se tornou sua babá e mais tarde sua amiga, que até hoje lhe visitava com empadas, bolos e pães, seus preferidos. Pagou todas as despesas médicas de Teresa, inclusive os remédios. Para sua surpresa Teresa estava saudável, mais forte que ela! Riu de satisfação. Sua primeira promessa estava cumprida, agora, era para ela. Se deu uma semana para voltar ao trabalho. Cortou os cabelos bem curtos, num corte mais estiloso, diferente de tudo que já havia feito, pintou os cabelos, fez as unhas, doou uma grande parte de seu guarda roupa, comprou roupas novas. Quando voltou ao trabalho diminuiu o ritmo de suas atividades e a quantidade de hora que dedicava a elas. Foi ao cardiologista, nutricionista, pneumologista. Um mês foi o tempo necessário para voltar a academia, para que sua pressão se normalizasse e para que o líquido de seus pulmões que ainda estava extravasado voltasse para seu devido lugar. Ela era uma nova mulher!


Resolveu recomeçar sua vida, voltar aos seus planos de viagem, dedicar-se a sua vida e a si mesma. Havia lhe custado sessenta anos e um passeio de quinze dias no barco de Caronte*, mas havia logrado chegar ao Paraíso. Laura finalmente voltava para seu corpo, Laura voltava para si mesma, voltava para ela. Esta foi sua decisão final e dela, nunca mais, abriu mão.



FIM











*Caronte é o barqueiro que faz a travessia das almas para o Inferno no poema Divina Comédia de Dante Alighieri.

domingo, 31 de outubro de 2010

A Pequena Fábula da Princesa

Era uma vez uma princesa, que vivia num lindo castelo, grande e florido. Para qualquer lado que a princesa olhasse, ela só via natureza. Ela não compreendia muito bem como o castelo funcionava, mas ela sabia que as coisas no castelo funcionavam muito bem. Ela ouvia sua mãe dando as ordens ao longe, mas aquilo não importava, o que a interessava era que no castelo tudo parecia mágico. A princesa tinha amigos, eram outros príncipes e princesas que moravam nos castelos próximos aos seus. E a vida da princesa se resumia a isto. Respeitar os horários das refeições e dos estudos e brincar com seus amigos nos jardins no meio das flores. Até que um dia apareceu no castelo um plebeu, com as vestes esfarrapadas e cabelos desgrenhados. A princesa ficou tão surpresa com aquele estranho, que trazia consigo diferentes cheiros e visões, que resolveu segui-lo, para descobrir que outro mundo era aquele, que não era a vida que corria em seu próprio castelo. Então, depois de tê-lo seguido por dois dias, ela chegou a um vilarejo, era um local jamais sonhado pela princesa e ela, de tão surpresa, de ver o inédito, de tudo ser tão novo, decidiu ficar. A princesa percebeu que fora do seu castelo também havia vida e ela notou que as coisas não funcionavam como em seu castelo. Era uma organização totalmente diferente e, justo por isto, resolveu morar na casa do plebeu. Compreendeu, com certo choque, que a família do plebeu havia se acostumado com a falta. Nunca havia nada na mesa e quando havia comida, as refeições nunca eram servidas nos horários programados. Mas ela continuou a viver com o plebeu, até porque precisava descobrir quais eram as possibilidades dela mesma.

Até que um dia passou um circo na cidade. Ela dançava atrás do caminhão do circo, quando foi convidada a juntar-se a ele, para compor o espetáculo como bailarina. A princesa aceitou o convite, encantada que estava com o Circo. Primeiro resolveu assistir ao show para depois partir com eles. E foi como espectadora que se impressionou com o malabarista. Ele usava duas meninas como malabares e ficava jogando-as para cima, equilibrando as duas em suas mãos. A princesa impressionada questionava-se como era possível manter duas crianças no ar por tanto tempo? Como podiam ficar tanto tempo impedidas de tocar o chão? Como era possível estar sempre as mandando para cima, aos chacoalhos? E, olhando para as meninas, não sabia se riam ou se choravam, tampouco, ninguém ligava. Os risos e as lágrimas se misturavam. E a princesa nunca sabia se as crianças eram felizes ou miseráveis.

A princesa partiu com o circo e foi dividir o trailler com o malabarista. E lá, ela viu que o malabarista pendurava as crianças em fios e, assim, seus pés nunca tocavam a terra. Percebeu também que o chacoalhar que as crianças viviam nunca passava, porque ficavam sempre balançando de acordo com os desníveis das estradas de cada uma das cidades do interior por onde o circo passava. E a princesa, chocada, perguntava-se como podiam as crianças estar sempre balançando de um lado para o outro? Como podiam nunca tocar o chão?

Então, um dia, a princesa viu uma discussão entre o malabarista e um dragão. O dragão era a parte do show, a parte mais emocionante dele, pois o dragão cuspia fogo na platéia, que corria aos gritos de emoção. Mas na discussão entre o malabarista e o dragão, ele, enfurecido, soltava fogo pelas ventas e parecia cada vez mais irritado e o fogo ora queimava as meninas, ora o malabarista, que ficava jogando-as para cima, para tentar livrar-lhes do fogo direto. Mas, no fundo, o malabarista parecia não ligar para o fogo, assim como as crianças, elas pareciam já estar acostumadas a serem queimadas.

Quando voltaram para o trailler, a princesa piedosa resolveu colocar panos frios nos machucados e curativos nas queimaduras. Foi aí que a princesa percebeu que as meninas tinham os pés e as mãos queimadas e, por isto, não tocavam o chão. A cada noite, de semana em semana, a discussão se repetia e as queimaduras se proliferavam. Por isto jogar as crianças para cima aliviava a dor das queimaduras. Assim, a princesa compadecida, passou a fazer mais curativos e também sapatos e luvas para cobrir os pés e as mãos das crianças queimados. Mas o malabarista os retirava assim que as via. Ele dizia que se as crianças pudessem tocar o chão, elas não mais poderiam estar flutuando no ar e, com isto, não haveria mais espetáculo para ele. Então, os esforços da princesa eram em vão. Cada um dos curativos, dos calçados, luvas ou roupas que confeccionava para as crianças eram jogados fora, ou às vezes, eram queimados pelo dragão. E, chocada, indagou-se como o malabarista podia deixar as crianças serem constantemente queimadas? Como podia se deixar queimar?

A princesa descobriu que as crianças eram filhas do dragão com o malabarista, que um dia acreditou que o dragão era uma princesa, que fora enfeitiçada por uma bruxa a permanecer presa no corpo daquela criatura. Acreditou que seu beijo quebraria o feitiço. Mas aquilo não aconteceu. O que ocorreu foi que o dragão foi ficando cada vez maior e o malabarista foi ficando e sentindo-se cada vez menor. Mas o espetáculo precisava continuar. Entretanto, a princesa já não tinha mais inspiração para dançar e encantar a platéia. Assim foi que ela decidiu abandonar o circo e retornar para seu castelo. Já havia aprendido muito mais do que jamais sonhara quando partiu do castelo em busca do novo. Voltou para o local onde tudo parecia mágico e seguro.

Hoje dizem que a princesa desde que retornou, jamais voltou a deixar o castelo e que seu refúgio tornou-se o jardim, onde confecciona roupas para as diversas crianças perdidas, abandonadas ou esquecidas de todos os vilarejos das redondezas, sem se importar se elas serão usadas ou jogadas fora.

FIM

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Olhos de foca


(a minha mãe e seus olhos de foca)



“(...) as focas haviam um dia sido seres humanos e como o único remanescente daqueles tempos estava nos seus olhos, que eram capazes de retratar expressões, aquelas expressões sábias, selvagens e amorosas (...)” (PINKOLA, 1994)


Olhos de Foca

(a minha mãe e seus olhos de foca)



“(...) as focas haviam um dia sido seres humanos e como o único remanescente daqueles tempos estava nos seus olhos, que eram capazes de retratar expressões, aquelas expressões sábias, selvagens e amorosas (...)” (PINKOLA, 1994)


Ela tinha olhos de foca. Por detrás de seus óculos de lentes grossas, com os quais tentava esconder sua ternura, via tudo, sentia tudo, mas pigarreava e deixava que as lágrimas lhe escorressem uma outra hora. Lágrimas eram sempre inoportunas, pensava ela, enquanto ajeitava seus óculos. Sua vaidade não lhe permitia portar óculos em público, por isto, disfarçava as mensagens que seus olhos emanavam com muita maquiagem e treino. Treino, sim, porque havia lhe custado muito olhar para alguém e lhe transmitir autoridade. Logo ela que fora criada e educada sempre sob a rigidez do olhar da mãe - aquela ditadora, ora ausente, ora, impertinentemente, presente em sua vida. A mãe havia se agarrado a ela de um modo insuportável. Ditava todas as regras da própria casa e, também, da casa da filha. E ela, cabisbaixa concordava com um grunido de insatisfação. Olhar a mãe nos olhos e dar-lhe limite, custou-lhe trinta anos, mas ela acreditava que sem a insistência e força do marido seria impossível. Chorara trancada no banheiro baixinho por três noites seguidas, por acreditar que, com a sua atitude, estaria magoando demais a mãe, que não lhe voltaria a amar (a mãe que só não lhe controlava os pensamentos! E olhe lá!)


Sempre com a cabeça erguida, ia tornando seu olhar mais e mais penetrante, até que um dia, conseguiu o que sempre sonhou, olhar o outro e lhe impor respeito. O poder lhe encheu os olhos de lágrimas, mas as disfarçou com um sorriso. Agora, bastava olhar para o outro que, quase que imediatamente, o outro baixava a cabeça em sinal de aquiescência. Com o tempo, o poder lhe subiu a cabeça e tomou proporções jamais sonhadas. Colocou sob seu cabresto as filhas, o marido, as empregadas, os colegas de trabalho. Havia dominado, inteiramente, seu mundo. só a mãe a irritava. Não se abatia, a velha, qualquer que fosse a intenção do seu olhar, a matriarca lhe parecia imune. Foi só quando seu próprio olhar voltou-se para ela, que ela percebeu que havia assumido o que mais lhe incomodava na mãe, o poder dos seus olhos.


Só quando os olhos da mãe se cerraram inteiramente é que ela pode relaxar. Mas a esta altura, já não sabia muito bem, qual era o oposto de prontidão. Mas, em algum ponto dos seus olhos, pode-se ver um brilho distante, quase esquecido, o brilho da criança que fora, ágil, alegre, cheia de vida e seus olhos emitiram um brilho, que se assemelhava a luz dos faróis. E, assim, ao invés de impor submissão, passou a impor cuidado. A mensagem dos seus olhos havia se modificado. E, todos, ao seu redor, notavam. Alguns, assustados, outros enternecidos.


E foi com olhos de faróis que aprendeu a perdoar. Perdoou primeiro as filhas, por terem se rebelado no momento justo e não quarenta anos depois, como ela, que deixou caducar a coragem, para tomar uma atitude, quando a mãe já se encontrava um pouco debilitada. Depois, perdoou o marido, por todas as mentiras, e, principalmente, por todas as enrascadas em que metera o casal. Afinal, havia sido ele, que ela havia escolhido, como amor e como fardo. Depois, tratou de perdoar a mãe, muito mais por culpa, que por vontade. Mas, esqueceu de perdoar a si mesma e seu corpo explodiu em pequenos gritos, em respiração entrecortada, às vezes, inteiramente cortada.


Com o tempo, viu as pessoas a sua volta mudando. Sua teimosia lhe impedia de executar mudanças muito intensas ou bruscas. Perder o controle, era como a morte e a morte era algo para o qual não estava preparada. Mas achou bonitas algumas mudanças que viu nos outros e resolveu experimentar. Mas o fez como aprendeu a comer na França, um pouco a cada passo. E de passo em passo, viu seu corpo mudando. Aí, também, já era demasiado. Que ela mude por dentro, vá lá, mas que perca a juventude ou a beleza, isto, nunca! Mas não havia como combater o tempo. Segurou-se como pode, de mãos dadas com a beleza que Deus lhe havia ofertado e em todos os produtos de estética disponíveis no mercado. Entretanto, nada lhe ressaía mais que seus olhos, olhos de foca, que foram ficando mais ternos, mais suaves à medida que o tempo passava.


Eram eles que utilizava para abraçar as pessoas que amava, já que o toque não lhe era algo fácil. E com seus olhos, ela abraçou o mundo, viu de tudo, viu até o invisível, até que seus olhos se fecharam. E, quando se abriram, eram olhos que tinham uma ternura selvagem, daqueles cheios de amor, repletos de sabedorias e verdades. Hoje, dizem, que quem a conhece, teve a vida mudada, inundada por seus olhos e que eles são tão fortes e poderosos, que iluminam os setes cantos da Bahia e cada um dos seus detalhes.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Tangentes

(Á Teofilândia, que me fez ver e contar tantas estórias.)

Chega um momento na vida que a gente se encontra numa tangente. Era assim que Manoel se encontrava, numa tangente e olha que ele nem sabia o que era isto.

Manoel vivia no interior da Bahia, numa cidadezinha à 175 km da capital. Morava ali desde sua tenra infância. É certo que havia viajado bastante, conhecido algumas cidades, algumas até internacionais, como Ciudad Del Este no Paraguai, no dia que foi fazer uma entrega de muambas roubadas. O rapaz se sentia um aventureiro e sua vida como vendedor só precipitava mais aventuras. Sua casa era seu carro, que o levava a terras distantes, por estradas diversas. Manoel só não compreendia o porquê acabava sempre voltando para Lamarão, aquele buraco escavado no chão, que não era em nada diferente de todas as outras cidades do interior da Bahia. Contava apenas com algumas casas, um posto de saúde, a Prefeitura, 3 ou 4 comércios e a praça. Era explorador desde pequeno, quando pegava sua bicicleta e ia explorar a própria cidade e as vizinhas. Aventuras e amigos habitavam sua imaginação, porque de concreto não tinha nada, nem aventuras, nem amigos, mas dentro da sua cabeça, era só sentir o vento no rosto e ele já sabia qual seria sua próxima aventura. Mas, no final do dia, lá estava ele de volta à Lamarão. E fora assim sua vida inteira.

Não importava para onde ia ou quanto tempo ficaria, ele acabava, invariavelmente, voltando para sua cidade natal. Agora, aos trinta e cinco anos, ele retornava mais uma vez, depois de ter passado seis meses em Salvador. Regressar sempre lhe trazia memórias, dos companheiros de bar e de prosa, muitos deles, a maioria, na verdade, já havia se afogado no copo de pinga, única atração da cidade. Os que ainda estavam vivos ou eram os avarentos donos dos poucos estabelecimentos comerciais, que não morriam por pura mesquinhez, ou eram aqueles que haviam casado com mulheres fortes, daquelas bem chatas e intransigentes que pegavam nos pés dos maridos e os vigiavam, indo resgatá-los nos bares ou na única casa de Luz Vermelha da cidade. Ela iam para porta do puteiro e ficavam gritando de lá os nomes de seus homens. Não se achavam dignas do local, então jamais entravam, mas faziam cada escândalo. O mais famosos foi de Lucilene (todas as mulheres da cidade, sabia-se lá porquê carregavam o nome com a terminação “lene”) que não só foi para porta da casa de Dona Vitorilene (dona do bordel) e, não só levou o marido debaixo do rolo de bolo, como também levou a dama que o marido havia levado para o quarto. A pobre dama que havia acabado de se empregar no estabelecimento e era a nova coqueluche do local repleto de mulheres já velhas, desgastadas, cansadas e por demais conhecidas, tomou uma sova tão grande, que partiu no dia seguinte coberta de machucados para Teofilândia. E a confusão só não foi pior, porque Dona Vitorilene esbravejou o mais próximo que pode de Lucilene, que a dama ali era ela...

Chegar à cidade trazia também memórias de todas as suas namoradas, moças casadoiras que foram defloradas por ele, com juras de amor eterno que terminavam sempre na semana seguinte, devido a uma viagem sua de “urgência” para outra localidade, que, inevitavelmente, durava meses. E durante a viagem, o destino acabava por guiar a um novo amor, que era quase que imediatamente seguido de novas juras, novos defloramentos, novas partidas. Se apaixonava todos os dias, mas amar, amar mesmo, só amou Deiselene e Marilene. Estas foram as duas únicas mulheres que não pode deflorar. A primeira, sua mãe, costureira de primeira, que faleceu de morte morrida, enquanto dormia, numa das suas viagens, segundo o Doutor da cidade. A segunda, a única jovem que o ignorou, que não se derreteu por seus versos, seus poemas, suas juras de amor.

Manoel acreditava que a vida era curta e única. Afinal, sua mãezinha adorada foi para o Paraíso quando ele tinha acabado de completar dezoito anos e nunca mais voltou para vê-lo nem acordado, nem dormindo, nem para desejar Feliz Aniversário. A partida da sua mãe carregou consigo os últimos fios que o prendiam àquele lugar e, desde então, fazia viagens cada vez mais longas, tinha relações cada vez mais curtas com as mulheres, partia antes que houvesse possibilidade delas o deixarem e trabalhava com qualquer coisa que pudesse pagar sua estadia, refeições e prazeres por curtos períodos. Havia perdido as contas do número de namoradas que teve e, também do número de empregos assinados ou não em carteira. Seu lema era “só leve consigo o que pode carregar sozinho”, por isto, consigo só havia um pente, uma escova de dente, uma pasta, uma gilete e sua carteira.

Voltava agora à Lamarão porque foi a vez do seu pai se despedir. Morreu, segundo o Doutor, do coração. Não agüentou o rojão de Jucilene, garota de dezesseis anos, a nova contratada da Luz Vermelha e nova sensação da cidade. “Se matou meu pai, deve ser boa mesmo, tenho que experimentar” – pensou ele. O Doutor lhe contava os detalhes do óbito no boteco de Seu Gil e o fazia com pausas para gargalhadas. Disse que o resgate do homem foi realizado no bordel mesmo, da cintura para cima, parecia um soldado, peito estufado, olhos mirando o teto, a mão apoiada no peito, da cintura para baixo, aprecia um touro, com o membro em riste que não havia baixado nem mesmo com o ataque cardíaco fulminante. “Eita Viagra retado! – acrescentou ele piscando o olho para Manoel entre sorrisos e batendo no bolso da camisa. “Tomara que nunca precise disto” – pensou Manoel, vangloriando-se secretamente da sua capacidade como amante. Depois do episódio, a menina teve seu preço dobrado e Vitorilene colocou um cartaz na porta dizendo: “ Aqui se mata o homi amor. Entre, se tiver coragi!” E, ninguém sabe se pela propaganda, pela novidade, pelo respeito a Seu Roque, que sempre fora forte como um leão, quando derrubava uma, a mulher saía esbaforida, quase sem sentidos, o que se sabe é que o puteiro teve a freguesia aumentada desde o falecimento do Seu Roque.

Manoel cumpriu todos os longos ritos da morte. Só veio descansar no terceiro dia. Ficou ali no meio da sala da casa do seu pai, naquele lugar que sempre e nunca fora sua casa, onde, apesar de conhecer cada detalhe, nunca se sentiu muito confortável, nunca a sentiu como sendo sua. Sentou-se no sofá e sentiu algo estranho atravessar seu peito. Sentiu, pela primeira vez, um vazio e sua visão escureceu. Havia perdido a vontade de tocar a ripa e saltar dali para outro pouso. Sumiu o desejo, que o consumiu a vida toda, de pular de galho em galho, de cidade em cidade. Mas, se havido sido isto que sempre havia feito a vida todinha! O que faria agora? Encontrava-se no fim da linha, numa tangente.

Achou que havia chegado a sua vez. A morte já havia carregado seus pais, e agora era ele quem ela vinha buscar. E teve medo. Logo ele que nunca temera nada na vida, ia temer justo o fim?! Mas era muito novo para morrer. O que havia feito na vida? O que havia construído? Nada! Nadinha de nada! Não podia morrer agora. Mas sentia tanto medo, que resolveu não sair de casa para reduzir os riscos de se bater com a bicha de frente e dela levá-lo para os confins do além. Temendo a morte, evitou também usar a gilete, o gás e qualquer coisa que pudesse lhe causar dano como facas, garfos etc. Ao fim de quatro semanas estava fraco, magro, imundo, de cabelos longos, desgrenhados e barba de que parecia um misto de papai Noel com um bode. A casa inteira fedia. Tinha as portas e janelas fechadas, parecia um mausoléu abandonado. Na sua tentativa de fugir do fim, de conter aquele negócio no seu peito que ele não sabia o que era, ele se congelou, morreu de certa forma para o mundo. Só aí, seu peito, então, se calou.

Os vizinhos, preocupados, reuniram-se e foram lá bater na sua porta. Bateram palmas, gritaram seu nome, assobiaram e nada. Ponderaram que se atendesse, o deixariam em paz, com sua depressão, afinal de contas, após estava tantas mortes ocorridas naquela casa era natural que se encontrasse um tanto derrubado. Mas, se não atendesse, derrubariam a porta e enterrariam o corpo. Era um desgosto que a cidade tivesse tantos óbitos, mas, pelo menos, Manoel, teria um sepultamento digno e não morreria como um cão sem dono. Manoel fez ouvidos mocos às palmas, aos gritos, aos assobios, às batidas, mas os vizinhos foram tão insistentes, que ele acabou percebendo o que iria acontecer se ele não abrisse a porta. Com certa dificuldade, conseguiu erguer-se e abriu a porta no momento exato que os vizinhos se preparavam para colocá-la abaixo. A população ao vê-lo parou de súbito. Para eles, Manoel aprecia uma assombração, era a imagem da própria morte, uma caveira ambulante em decomposição acima da terra e fedia tanto como se estivesse com birigui. Assustados, todos correram de volta para suas casas, a exceção de Marilene, que chegou bem perto da porta, cobriu o nariz com um lenço e perguntou um tanto de coisas para ele, que ele respondeu prontamente, sem pensar.

- Pronto! - ela disse – Não maluqueceu, só se largou.

Respirou fundo na frente da casa, tapou o nariz novamente e entrou na casa. Abriu portas, janelas, ligou o chuveiro e foi empurrando o homem para debaixo dele, com roupa e tudo. Manoel, confuso e fraco, foi obedecendo sem resistir aos comandos da moça.Já debaixo d´água, ele recebe uma barra de sabão e, em seguida, um tapa na cara, com a ordem:

- Acorda, homem e vai viver a vida, que você não morreu ainda!

Madelene saiu esbaforida, quase sem ar. Havia prendido o ar por tanto tempo, que saiu da casa lívida, como se tivesse se afogado. Não respiraria aquela “nhaca”, por mais que amasse aquela figura que um dia havia tido asas nos pés e coração andante, que uma vez se enrabichou pelo seu, mas que, como sempre voou para longe e ganhou a estrada, mas que sempre voltava. E quando o cabra para na cidade era para morrer! Morrer sem ela ter tido a oportunidade de sentir-lhe o cheiro, não o cheiro daquela imundice que ele estava hoje, mas o cheiro de alfazema já tão impregnado em suas camisas que já parecia sair da pele. Não ela não o deixaria morrer, mesmo que fosse para ele se arrancar de novo da cidade, para voltar muito tempo depois. Um dia, ela sabia, ele voltaria por ela e para ela.

No dia seguinte, bem cedo, o Doutor bateu na porta de Manoel. Trazia consigo uma menina, que já entrou na casa munida de toda sorte de equipamentos de limpeza disponíveis na cidade e, nas mãos, três quentinhas, para servir de refeições naquele dia. Manoel abriu a porta ainda perdido em devaneios. O Doutor entrou mesmo sem ter sido convidado e foi o ordenando a sentar e tirar a camisa. Manoel foi seguindo as ordens e antes de questionar a que se devia a visita, ele sentiu o forte odor que vinha da quentinha e seu estômago roncou. Mas o Doutor só o deixou comer após o exame e Manoel só queria que aquele exame terminasse logo, para que ele pudesse se deleitar com aquela galinha ao molho pardo, que exalava um cheiro tão delicioso, que afagava Manoel como uma carícia.

Na primeira semana de isolamento, Manoel refletia sobre tudo. Seus pensamentos fluíam como um rio, e ele, os ia parando devagar, um a um, como se fosse uma grande pedra incrustada no meio da correnteza. Repassou toda a sua vida. Fez descobertas assombrosas sobre si mesmo que ia escrevendo em pedaços de papéis e os rasgando em seguida. Na segunda semana, sua mente havia se fixado nas descobertas a cerca de si mesmo e as repetia incessantemente, como um LP arranhado. Na terceira semana, sua cabeça havia se esvaziado e só via o escuro do nada. Só escutava besouros, galos, grilos e cigarras. Na quarta semana, era como se tivesse desencarnado, até que ouviu vozes, ruídos, mas eles lhe pareciam vir de tão longe. Era como se alguém estivesse batendo na porta do purgatório e ele tivesse lá embaixo no inferno. Em seguida, veio um grito. Era seu nome que diziam? Ele já não conseguia distinguir. Será que alguém lá do Paraíso veio me salvar da danação? – considerou ele. E ficou feliz com o próprio pensamento, alegre por ser especial o suficiente para alguém lá de cima, vindo do Paraíso descer para o inferno para resgatá-lo. E resolveu seguir o grito. Até que se deu conta que não era um único grito, eram muitos e se assustou. Hesitou um pouco, ma como os gritos, batidas e assobios não paravam, ele fechou os olhos e abriu a porta de olhos fechados, cheio de medo, esperando o pior. Em sua imaginação, do outro lado da porta estavam todos os pais das filhas que deflorou munidos de facões e espingardas para acertar com eles as contas e lhe prover uma morte lenta, dolorosa e certeira. Quando recebeu o primeiro tapa, não caiu, mas ficou ali parado esperando dores maiores. Mas o que veio foi uma chuva de perguntas. Abriu os olhos e viu Madalene, mais bonita do que se lembrava. Antes de conseguir acordar para o que estava acontecendo, foi derrubado por uma enxurrada de luzes, odores que invadia, de repente, a casa. De súbito teve noção que aquele cheiro terrivelmente fétido que sentia partia não só dele, mas da casa como um todo. Baixou a cabeça enrubescido por Madalene vê-lo naquele estado, mas foi agarrado pelo braço, antes mesmo de ter tempo de formular uma desculpa. Era levado com tanta violência pelo braço, que se bateu em algo, que não conseguiu identificar, só sentiu mesmo foi o choque da água gelada em seu corpo, colando nele os farrapos que o embrulhavam. Ela gritou algo sobre ele acordar, depositou em suas mãos algo macio, deslizante e cheiroso e partiu. Ficou ali, muito tempo, num misto de desejo, esperando que a mulher o despisse e se despisse junto e vergonha, por seu estado deplorável. Como nada ocorreu, despiu-se sozinho e tomou banho. Não sabia se o banho, o tapa ou o cheiro de Madelene o haviam despertado. Mas, foi sentindo novamente uma ânsia de vida, de criação, uma ânsia de possuir Madalene. Fez a barba e enquanto a fazia, sua cabeça encheu-se de planos, de planos de vida.

Depois de um longo período de sono, parecia-lhe que sua cabeça havia acordado com grande disposição, pois suas idéias fervilhavam. Faria a Requião uma proposta irrecusável até mesmo para aquele mão de vaca. Compraria seu negócio pelo dobro do preço e montaria ali um Hipermercado, com produtos locais e estrangeiros. Compraria tudo pela metade do preço no Paraguai e venderia aqui com certa margem de lucro. Com o dinheiro excedente pagaria as dívidas do pai, inclusive com a casa da Luz Vermelha, reformaria a casa, atrairia investidores da Bahia que visassem implantação de Indústrias que proveriam toda a região, inclusive seu próprio negócio e, então, cortejaria Madelene.

O galanteio começaria hoje mesmo. Daria-lhe uma flor, uma Margarida, para simbolizar a inocência que Madalene lhe inspirava! Tendo decidido, rumou para porta da casa, quando a abriu, encontrou o Doutor, com uma quentinha na mão e uma moça muda de equipamentos de limpeza. Ambos entraram prontamente na casa. Ele foi obrigado a entrar também. O Doutor não lhe deixou sair e executar seus planos, antes de lhe fazer um exame detalhado. O diagnóstico foi o esperado: desnutrição, desidratação e vermes. Receitou-lhe umas ervas em solução para os vermes, água e suco para a desidratação e a comida de Dona Leilene – proprietária do único restaurante da cidade, o Aconchego, que resolveu tocar em frente após a morte do marido. O administrava com mãos de ferro, garantindo para si um lucro jamais obtido enquanto o marido ainda era vivo e a comida era preciosa - para curar sua desnutrição. Comeu duas quentinhas acompanhadas de quatro copos d´água e, em seguida, tomou uma colherada das ervas em solução. Fez uma careta, guardou a terceira quentinha para almoçar mais tarde e ganhou a rua.

Primeiro, deixou a margarida na porta da casa de Madelene, com um poema atado em seu ramo, que dizia:

“Da escuridão

Trouxeste a luz

Do amor

Tiraste a cruz

Da fome

Proveste o cuzcuz

A sua beleza, em flor,

Como sempre, me seduz”.

Depois foi tratar com Requião. A discussão durou três dias, ao fim destes, conseguiu inspirar tanto o avarento que seus olhos brilharam já vislumbrando as barras de ouro advindas do negócio e só arredou o pé, quando se tornaram sócios. A construção do Hipermercado durou trinta dias, mas o negócio estaria fadado ao fracasso se o próprio Manoel não tivesse atraído para a região duas indústrias da capital, que garantindo o aumento de circulação monetária e populacional ao local. A escolha das indústrias foi o maior chute que havia dado na vida, se tivesse jogado na Loto este dia, tiraria o primeiro prêmio. Durante as obras para implantação das indústrias na região, foi descoberto petróleo. Assim, uma petrolífera brasileira foi chamada e iniciou a exploração do produto.

Manoel pensou: “Eu aqui sentado sobre ouro o tempo inteiro, sem saber! A riqueza aqui o tempo todo! É, creio que a riqueza está e estará sempre em nós, em locais que não desconfiamos. A riqueza somos nós!” Anotou este último pensamento, talvez pudesse criar um poema para Madalene com ele, ou um slogan para a cidade ou para o hipermercado.

As coisas estavam indo conforme o previsto. O negócio ia de vento em polpa, apesar das interferências de Requião. Havia conseguido quitar as dívidas do pai e já havia iniciado a reforma da casa. A única coisa que não ia bem era a sua inexistente relação com Madalene. Enquanto todas as outras mulheres da cidade, praticamente, se ofereciam a ele, ela jogava fora, na vista de quem quisesse ver, cada um de seus presentes, entregues, semanalmente, em sua porta. A única coisa que não jogava fora eram os poemas que acompanhavam os presentes. Ele já não agüentava mais a abstinência sexual forçada e para não se precipitar e arruinar tudo com Madalene, viajava cada vez com mais freqüência para os bordéis das cidades mais ao norte de Lamarão, para evitar que a mulher ouvisse ou visse algo que não fosse do seu interesse. Quando era abordado por alguma mulher da cidade, a descartava prontamente, para evitar o falatório.

Mas um dia, viu-se preso ao decote, aos quadris sensuais e aos olhos azuis de Suselene. Estava no auge dos seus dezoito anos. Tinha os cabelos castanhos, que lhe caíam liso no meio das costas e cada vez que vinha ter com ele, vinha balançando os quadris, jogando os cabelos, com os seios saltando de dentro do decote. “Ah, essa menina é de tirar o juízo de um” – ponderava ele, enquanto fechava a porta antes que ela pudesse entrar em seu escritório e atendia a um telefonema imaginário. Sempre fazia isto quando notava a menina despontando do outro lado da calçada. Sabia que se ele vacilasse Suselene entraria em ação e, assim, todo o esforço feito na conquista de Madalene seria em vão. Resolveu terminar seu próprio drama, apressando as coisas com Madalene. Partiu em disparada para sua casa, tentando formular o que diria a ela e a seus pais. Batei na porta de mãos vazias. De nada adiantava gastar dinheiro com presentes que seriam jogados fora. Foi a mãe quem atendeu. Manoel pediu para falar com Seu Tobias e em menos de cinco minutos, o senhor havia lhe concedido a mão da filha em casamento. A mãe foi até o quarto onde estava Madalene, sorrindo de contentamente, para levar-lhe as boas novas. A filha ouviu, calada. A filha desceu e encontrou Manoel ao pé da escada, a aguardando. Olhou no fundo dos olhos de Madalene, buscando compartilhar com ela a felicidade que sentia. Mas os olhos da moça expressaram ira, não alegria. Aos berros, a mulher proferiu impropriedades a ele, acusando-o de tê-la comprado e seu pai de ter aceito a negociata. Manoel leva a mão ao peito, para evitar que seu coração se partisse em pedaços tão ínfimos, que o remendo se fizesse impossível. A mãe leva as mãos a boca e apóia-se na mesa, percebendo que perderia os sentidos. O pai indignado diz que a filha deveria ter ficado feliz, de alguém querer uma mulher de segunda mão como ela, sem cabaço e sem mais condições de fazer filho, que já tinha namorado mais de dez e não havia se casado com nenhum, porque ninguém a queria. Completou a frase, dizendo que ela deveria se ajoelhar aos pés daquele moço, que era ou estúpido ou um anjo para querê-la, já que Manoel, ao contrário da família tinha bens e era distinto.

- Se oferecesse dinheiro – disse o pai – aí que eu venderia mesmo! E você, finalmente, desencalharia!

A filha cai no chão, aos prantos. O pai proferira tudo o que ela sentia a respeito dela mesma, em voz alta, na vista de Manoel, aquele desgraçado, que veio comprá-la, que acreditou que ela iria com ele, pelo dinheiro. Dinheiro era a única coisa que não queria, queria que ao invés de presentes, ele se fizesse presente, que ao invés de ir tratar diretamente com o pai, ele fosse ter com ela. Três coisas ficaram claras para Madelene. A primeira era que Manoel não queria nada com ela, que nunca a amou e nunca a Maria. A segunda, é que agora ele sabia quem era Madalene, uma velha solitária, descabaçada, infeliz. A terceira, é que teria que sair da cidade, não mais viveria sob o mesmo teto do pai e, por vergonha, não queria mais olhar nos olhos piedosos de Manoel, porque ela já não suportava mais a comiseração alaheia.

Manoel a olhou incrédulo. Não podia acreditar! O que havia, então, significado o resgate? O banho? A comida? Será que Madelene estava se vingando de suas cortes mal intencionadas no passado? Resolveu voltar para casa, de cabeça quente não conseguiria dizer-lhe nada além de palavrões e obscenidades. Em casa, um pouco mais tarde, resolveu voltar e cobrar explicações, ao invés de resignar-se. Findaria aquela estória de uma vez por todas, para que, com o coração leve, pudesse partir para a próxima, se assim fosse necessário, ou nela pudesse descansar sua cabeça. E era com esta última opção que Manoel contava secretamente.

No dia seguinte, ao sair do trabalho, dirigiu-se a casa dela. O dia havia sido imprestável para o laboro. Perdera o dia tentando criar um diálogo, ou pelo menos, um roteiro com os tópicos que gostaria de discutir com aquela mulher insana. Mas, nada conseguiu criar, suas preocupações só aumentavam quando lembrava dela, aos gritos, acusando-o de querer comprá-la. Não se importava com seu passado, contanto que ela tampouco implicasse com o seu próprio. Não ser seu primeiro homem e, sim, seu décimo ou vigésimo, o feria um pouco, mas consolava-se pensando que com ele, ela descobriria o amor e seus segredos. Neste momento, lhe ocorre que talvez fosse justo o contrário, talvez ela o ensinasse sobre o amor e seus segredos e ele lhe ensinaria os mistérios de uma boa cama. A descoberta do tipo de sentimento que nutria por Madalene o amedrontou tanto que teve que tomar três copos de café puro e, de quebra, um pedaço de bolo. Como nem isto o acalmou, ele consolou-se pensando que se a coisa ficasse realmente muito ruim, ele optaria pela saída mais rápida da situação, ou seja, ficaria com outra mulher, mais nova, mais gostosa, menos importante para ele. Relembrou as palavras duras do pai de Madelene e concluiu a divagação dizendo para si mesmo em voz alta: ”E quem é virgem nos dias de hoje, afinal?!”

E foi assim, com o coração embotado, a cabeça fervilhando de idéias e na defensiva que ele foi atrás de Madelene. Quando bateu na porta, a própria atendeu. Tomado pela surpresa, ele ficou mudo por alguns instantes, enquanto a fitava. Foi ela que iniciou o diálogo:

- Errou de casa? – questionou ela de um modo que o pareceu indiferente

- Não. – respondeu ele firme – Vim falar com você.

- O que? – balbuciou ela um pouco nervosa.

- Posso entrar? – pediu ele, tentando pensar na próxima frase.

Ela hesitou um pouco até que abriu a porta e o deixou passar. Abrir a porta de sua casa, era para Madalene, como escancarar as portas de seu coração que, quando se tratava de Manoel, lhe dava um trabalho danado para não ficar com as portas cardíacas escancaradas. Não conseguia acreditar que abriria tão sinceramente seu coração novamente para ele. Mas será que ele um dia saiu de lá? A mulher não sabia se seu pobre tambor que carregava no peito, agüentaria outra corte e outra partida. Tomada pelo medo, que aquele homem que sentado aprecia inocente, mas que falando era o Diabo, entrasse em seu coração e avacalhasse, bagunçando tudo de novo. Baixou os olhos para criar coragem de encará-lo novamente sem parecer tão obviamente apaixonada por ele. Ponderou que entre o vazio e alguma emoção, mesmo que fosse passageira, valeria a pena. Seria a sua despedida, se tudo desse errado.

Manoel respirou fundo assim que a moça sentou e atirou:

- Por que você não quis se casar comigo?

- Porque você nunca quis se casar comigo, porque você nunca me quis de verdade. Você nem sequer insistiu para me levar para cama, quando teve oportunidade. Agora você volta dez anos depois, como se estivesse aqui o tempo inteiro, querendo casar comigo, você nem sabe quem eu sou, o que gosto, o que faço, o que como, e loucamente, porque está se sentindo velho, mal amado, sei lá! Você decide que tem que casar e eu sou a mercadoria da cidade?! O que mudou? Por que você quer casar comigo agora?

Calou-se, se proferisse mais uma palavra, sabia que cairia em prantos. Odiou-se pelo seu excesso de sinceridade. Manoel ouviu tudo fascinado. Era verdade, tudo. O que havia mudado? Ele tampouco sabia. Certo era que agora ela dominava seus pensamentos. Continuou a conversa:

- É verdade. Não sei o que mudou. Não tive coragem de te levar para cama na época, como hoje, sua sinceridade, me impede de proferir mentiras. Mas, o que sei, é que hoje, desde que voltei e você foi na minha casa, só penso em você.

- Ah, Manoel, você acha que me deve algo só porque fui lá?! Você não me deve nada.

- Sei que não te devo nada, devo só o que você me inspirou a fazer.

- O que, homem, eu te inspirei a fazer?!

- O Hipermercado, os investimentos na cidade, sair de casa, reviver. Você foi minha inspiração, você me acordou para vida.

Manoel, quando eu tinha vinte anos, eu sonhei que casava contigo, na Igreja, de véu e grinalda e que tinha três filhos, e que era feliz. Mas hoje, eu olho e penso que eu jamais teria paz. Você está quieto agora, mas daqui um tempo, você como todos os homens desta maldita cidade, irá se deitar com toda coisa que usar saia, enquanto a gente vai ficando em casa, morrendo por dentro. Não quero isto para minha vida. Não quero ser perseguida por fantasmas de mulheres que se encantaram por você, que são dez anos mais novas que eu, como Suselene...

A mulher era uma bruxa, como ela sabia da Suselene? Amanhã o pau ia cantar no hipermercado! Ela continuou:

- Um dia já quis que você se apaixonasse loucamente por mim. Mas, hoje, não quero paixão, quero amar e ser amada. Quero alguém que me ame pelo que eu sou!

Falou esta última frase com lágrimas nos olhos e como odiava a cara de compaixão alheia diante de suas lágrimas, completou:

- Odeio ter te desejado primeiro. Odeio ter sido eu que fui no seu encalço. Odeio ter feito tudo para te conquistar. Como poderei me relacionar com alguém que me ama tão pouco, que nunca fez um esforço sequer para me conhecer. Não entrarei numa relação para sustentar o amor pelos dois. Passarinho só não faz verão.

Tendo dito isto, levantou-se e quase voou escada acima. Em seu quarto suas malas já prontas, aguardavam sua partida, que naquele dia, não ocorreu. Enquanto isto, Manoel, parado, na mesma posição na sala de estar, não sabia o que o havia atingido. Nunca encontrara alguém tão sincera, tão sem medo de proferir a verdade que fosse para outro alguém. Ao mesmo tempo, nunca havia se sentido tão incompreendido por alguém. Baixou a cabeça, enrubescido, ao perceber-se emocionado e, assim, cabisbaixo e com os olhos mareados, foi embora.

No dia seguinte, fez as malas e pariu em busca de novos negócios. Custou-lhe um mês de viagem a locais diversos, para perceber que havia retornado a velha rotina e, com isto, anulado a decidida mudança. Não quis mais pensar no assunto. Seguiu viagem. Após mais um mês retornou a Lamarão. Bastou chegar à cidade, para seu coração se apertar. Não era homem de ficar sozinho, Madalene tinha razão. Colecionava mulheres, uma em cada pouso, mas desde o dia que a mulher o disse que deveria acordar, na sua terra natal ou em qualquer outra, seu coração parecia palpitar apenas por Madalene.

Chegou à cidade e descobriu que Madalene havia se tornado funcionária do seu Hipermercado. Com o dinheiro, havia saído da casa dos pais e alugava a casa do falecido Andrelino. A encontrava todos os dias. Ela destacava-se rapidamente, tendo um tino comercial e organizacional que a destacam. Mas, para Manoel, ela se destacava por muito mais. Encontrá-la era uma delícia e, ao mesmo tempo, uma tortura. Manoel viu-se medroso, justo ele, que conseguia chegar, abordar e deitar com qualquer mulher, em qualquer lugar, em qualquer hora, se via frouxo quando Madelene estava por perto.

O coração de Madalene dava saltinhos quando Manoel estava por perto. Adorava o trabalho que executava, e esforçava-se ainda mais para ser notada pelo dono do empreendimento. Mas seus esforços pareciam ser em vão. Ele já deve ter se apaixonado por outra – pensava ela, com tristeza – Eu estava certa, o amor dele nunca existiu... – e baixava a cabeça conformada e desconsolada. “Também, eu fui uma besta em me declarar. Bastou isto, para ele fugir da cidade para ficar longe de mim e quando chega, nem me olha nos olhos! Mas era eu quem devia estar com vergonha!” – seus pensamentos disparavam incessantes cada vez que Manoel passava por ela e nada dizia. Madalene começou a se sentir a mais feia, velha e gorda das mulheres, a menos desejada da cidade, do mundo inteiro. E tomada de uma raiva imensa que crescia dentro dela, quanto menos desejada se sentia.

No final da tarde de uma sexta-feira, Manoel a viu saindo do Hipermercado. Passou por ela e acabou andando ao seu lado. Sem jeito, Manoel, não soube o que dizer. Mas, quando pensou em dizer algo, ouviu Madalene o convidando para um sorvete. Ele assentiu com a cabeça, ela se odiou por ter sido ela a ter feito o convite. Por que ela sempre se repetia? – questionou-se enfurecida. Enquanto ele permanecia mudo, ela contava estórias variadas sobre coisas do trabalho, da cidade e do que havia acontecido com ela. E, ele, por outro lado, só as escutava. A olhava fascinado. Gostava de penetrar no mar daqueles olhos azuis, ligeiramente estrábicos. Ela não era sensual como a Susilene, nem era a mulher mais bonita que havia conhecido, mas era dona de uma beleza singular, só dela. Manoel aproveita as estórias para apreciá-la. Madelene torceu para que ele a convidasse para fazer algo após o sorvete, mas nada aconteceu. E ela, lívida de tristeza, esboçou um sorriso amarelo voltou para casa, cabisbaixa.

E então, começaram a se encontrar com mais freqüência, sempre por acaso. Talvez não se encontrassem antes, porque Madalene mal saia de casa. E a cada encontro, uma nova proposta de encontro era feita, todas por Madalene. Manoel não recusava nenhuma delas, aquiescia sorridente, com a cabeça. Entretanto, o fim de cada encontro era trágico para a moça. O rapaz tão famoso na cidade por sua habilidade com as mulheres, com ela, nada demonstrava. Pelo contrário, ela era quem se mostrava hábil e sutil marcando cada um dos encontros. Madalene decidiu não mais convidá-lo para nada, esperaria que ele, finalmente, tomava a iniciativa. Sentia-se diminuída e pouco desejada por fazer todo o tempo as vezes do homem, tomando as iniciativas,. Porém, de natureza impulsiva, Madalene não conseguia controlar-se, morria de medo de que, se não o fizesse, estaria levando a relação ao término. Manoel, por outro lado, encantava-se e intrigava-se com o jeito da garota, tão independente e determinada, tão única, diferente de todas as mulheres que já havia conhecido e, olhe, que não foram poucas. Ficava feliz com os convites da menina, mas temia convidá-la para algo que ela fosse achar estúpido ou clichê da parte dele.

Assim, passaram seis meses saindo juntos. Cada volta para casa era uma nova noite Ed choro e insônia para Madalene, enquanto que, para Manoel, as noites pareciam divertidas e relaxantes, ele dormia como um anjo, quando saíam. Madalene já sentia o fogo subindo e lhe consumindo as faces, mas como nada partia de Manoel, ela passou a sentir-se a última das mulheres, já que Manoel não tomava qualquer iniciativa, não a olhava como os outros homens, nem fazia menção de levá-la para cama. Cansada de viver o mesmo drama todas as noites e admitindo que aquela relação tão desejada só existia por sua causa, Madalene “chuta o pau da barraca” e tomou a iniciativa de levá-lo para cama. O resultado foi lastimável para Madalene, o homem além de não ter sentindo prazer com ela, ainda lhe informa que havia realizado uma vasectomia na última viagem à capital, depois de perceber o número excessivo de filhos que havia feito em seus diversos pousos. Madalene viu a barraca cair pedaço a pedaço sobre ela. E anestesiou-se como pode.

Manoel a desejava, mas havia algo nela que lhe causava medo. Sentia temor de perder-se nela e ser abandonado, como sua própria mãe havia feito. Achou-a tão desinibida na noite que passaram juntos, que sequer conseguiu ejacular, parecia que assistia a um espetáculo privado, só dele. Sentiu que a havia desapontado com a infertilidade, mas ainda havia jeito a ser dado à questão. Ela o havia deixado tão excitado, que de vê-la no mercado, ele sentia uma ereção e corria para o banheiro para se aliviar. A fitava de longe, sorrindo feliz e um tanto abestalhado. Então, descobrira, por intermédio de Lourival, que finalmente alguém o havia fisgado, compreendeu o sentimento já tão gasto de tão falado. Manoel a amava.

Um mês após a primeira noite deles juntos, Madalene presenciou um cortejo das ex-mulheres de Manoel passar na cidade. Com a notícia de que havia enricado, todas correram para pegar uma parte do que lhes era devido. A cada mês uma chegava. Algumas se instalavam provisoriamente, outras, permanentemente, na cidade. Presenciava, calada, uma a uma, gritar, dar ordens, exigir e demandar coisas diversas a seu namorado e ele, resignado, fazia o papel de conciliador, atendendo um a um o que lhe era ordenado. Só Madalene não gritava, só ela não exigia, não demandava, não lhe dava ordens. Se fosse fazê-lo, a sua única demanda seria amá-la. Mas, ela sabia que o amor não podia ser obrigado, que ele não vinha de caso pensado. E ela, mesmo anestesiada, limpa suas lágrimas.

A vida sexual de Madelene estava começando a melhorar. Para um homem que já havia tido tantas amantes, ele não lhe pareceu grande coisa. Ou será que ele não era grande coisa com ela? Pois a julgar pelo número de mulheres que haviam se instalado na cidade e requisitado dinheiro e atenção de Manoel, ele deveria ser um fenômeno com as demais. Estava claro para Madalene que o problema todo era ela. Com isto, sentia-se renegada, relegada a segundo plano. Mas, se recusava a repetir o padrão de suas ex-mulheres, não era como um daqueles “fast-foods” que Manoel queria implantar em Lamarão, igual em tudo, nas queixas constantes, no grito como forma de manipulação. Ele devia ter vontade própria e ela não ia interferir nisto e controlar cada passo da relação.

Tanto tempo já havia passado que todos na cidade já sabiam do seu caso com o dono do hipermercado e, também da falta de seriedade da coisa. Como forma de tornar seu caso numa relação, ela mudou-se para casa de Manoel, que viu, impassível, instalar-se em sua casa. Morar com ele, ao invés de fazê-la se sentir validada, trouxe-lhe mais infelicidade. Porque a cada dia ficava mais óbvio que Manoel era um bunda mole, que jamais se desprenderia de suas ex-mulheres, que jamais lhe faria um filho e que jamais a pediria em casamento novamente. Deu seu grito de guerra, já não agüentando mais guardar tanta angústia no peito. Manoel não compreendeu porque sua esposa, porque era assim que ele a via, tinha gritado daquela maneira com ele, mas acostumado que estava, baixou a cabeça resignado e e esperou o momento que toda aquela gritaria acabaria e a vida deles juntos pudesse, finalmente, voltar ao normal. Mas, não voltou. Passados trinta dias da gritaria, Madalena ainda não queria tocá-lo, nem sequer o olhava nos olhos.

Madalene esperou que algo mudasse desde o dia em que soltou sua fúria sobre o namorado, mas nada mudou. Isto a consumiu tanto, que foi como se algo nela houvesse morrido. Morreu uma parte dela, junto com uma parte da relação. Seu luto levou trinta dias. Tempo este em que pode, finalmente, olhar para aquela criatura que tanto amava como homem novamente. Custou-lhe mais trinta para conseguir tratá-lo de modo carinhoso. E só noventa dias depois, seu coração voltou a bater. E quando finalmente acordou, seu coração só lhe dizia que era hora de ir embora. Olhava para Manoel e chorava solitária com a possibilidade de deixá-lo, enquanto lavava roupas no tanque. Afinal, Manoel havia sido o único homem para quem se entregara de corpo e alma, havia sido o único amor de sua vida e um amor deste tamanho é difícil de deixar para trás.

Manoel viu a vinda de Madalene para sua casa de bom grado. Finalmente o casamento esperado, de modo muito mais prático que o previsto. Não era um destes homens que gostava de viver solitário, agradava-lhe o pensamento de ter alguém com quem compartilhar o lar. Mas, jamais faria esta oferta para Madalene, quem sabe o que pensaria se o fizesse, mas já que ela tomou a iniciativa, tudo se resolveu de modo mais rápido. Com a sua prosperidade, viu suas ex-mulheres chegarem , saírem ou se instalarem na cidade, com certa indiferença. Sentia-se um pouco culpado, pelos filhos que fez, pela forma como todas aquelas relações ocorreram e, por isto, sustentava a todas, sem incomodar-se com isto. A única coisa que lhe perturbava bastante era o malabarismo constante que tinha que fazer para não desagradar nenhuma delas e, com isto, evitar brigas, dores de cabeça e escândalos desnecessários. Fazendo tanto esforço para agradar a todas, não compreendeu quando foi Madalene quem gritou. Executava malabarismos notáveis, para não desagradá-la. Reagiu, primeiro, levantando a voz para ela – sentia-se tão confortável com ela, que podia ser ele mesmo, sem exceções – mas, como nunca a tinha visto gritar daquela maneira, baixou a cabeça resignado e ouviu entalado tudo o que ela acreditava ser verdade sobre ele. Ficou confuso e desapontado, quando ela o puniu com uma aridez de trinta dias, mas ao invés de traí-la, jogou-se de cabeça na implantação de um fast –food na cidade. Definitivamente, não compreendia Madalene. Achou que tudo fosse passar rápido, a mulher não era de guardar mágoas, entretanto, não passou. Sentia-se aviltado pela severa punição que sofria. Para ele, a relação estava ótima, era a melhor que já tivera. Confiava nela, se sentia seguro com ela e era a única mulher que não o deixava tenso, até então. Porém, para ela, tudo aprecia ser uma grande mágoa. Ao final dos trinta dias, sentia-se como um cachorro buscando aconchego, se aproximava com o rabo entre as pernas, aguardando sua reação, mas era repudiado. Quando a relação, finalmente, voltou ao normal, viu algo nos olhos dela que o fizeram tremer, mas como não compreendeu, decidiu seguir adiante e esperar que passasse logo.

Madalene levou muito tempo para conseguir encher-se de coragem suficiente para partir. Já fazia anos que estavam juntos e quase nada havia mudado. Continuava aturando as ex-mulheres dele, viu a tão sonhada maternidade ir definhando junto com seu próprio corpo, continuou se sentindo relegada a segundo plano. Desde o episódio do grito, algo não havia voltado para o lugar, era como se alguma peça tivesse rachado e ela sabia que a peça, era ela. Manoel percebia que algo na relação não ia bem e que não havia passado. Não costumava pensar muito sobre sua vida amorosa, preferia o terreno mais sólido dos negócios, mas, quando seu incômodo era muito grande, ligava um pouco trêmulo para Madalene, para certificar-se de que tudo estava bem. Só aí, conseguia relaxar e voltar aos negócios. Sua idéia de trazer um fast food para cidade havia sido bem recebida e a coisa estava tão boa, que conseguiu um sócio em Serrinha. A construção, implantação e funcionamento da lanchonete na cidade vizinha levou quase um ano e Manoel acabava passando mais tempo em Serrinha que em casa. Depois de quase dois meses sem voltar para casa, sentiu uma urgência em retornar e assim o fez. Quando chegou, encontrou sobre a mesa da cozinha, uma rosa cor-de-rosa, com um poema enrolado em seu ramo:

“Meu amor por você é imenso E ao longo dos anos só se tornou mais intenso Mas as agruras da vida tornaram Nossa relação mal vivida E uma relação mal vivida É como uma rosa cor-de-rosa sem água Resiste, insiste, mas despetala Sem vida, sem fibra, sem poesia”

Madalene partiu numa tarde de inverno, encolhida, triste, mas decidida. Chegou a São Paulo três dias depois. Assim que chegou foi pedir informações no metrô, a um senhor de terno e gravata que passou por ela sobre uma Pastelaria, de uma amiga da mãe, onde começaria a trabalhar naquele dia mesmo. O senhor era um advogado bem sucedido, que se encantou com a mulher no momento em que foi por ela interceptado. Casaram-se seis meses depois, numa pequena Igreja da capital. Desta vez, Madalene não teve medo, nem ânsia de vômito. Seu coração confiante não sentiu que se quebraria, nem entrou em sobressaltos, isto só foi ocorrer no dia em que descobriu que estava grávida de uma menina. Seu amor pelo advogado foi de vida. Com ele foi feliz para todo sempre.

Manoel leu o poema dez vezes. Seu corpo inteiro tremia. Não podia acreditar que perdia o amor de sua vida. Quase enlouqueceu. Perdeu as estribeiras com todas as suas ex-mulheres e foi tirando uma a uma da cidade, como uma vingança cega por aquelas que destruíram seu casamento. Ligou para todos os amigos que tinham em comum, inclusive para os pais da moça e, quando descobriu seu paradeiro, viajou para Sâo Paulo, imediatamente. Chegou à Pastelaria e encontrou Madalene, mais bonita do que nunca. Disse que havia se livrado das ex-mulheres, que se ela o aceitasse de volta, iria reverter naquele momento sua vasectomia. Jurou casamento. Mas, para Madalene, as promessas chegavam com anos de atraso e, por mais que o olhasse com amor e com pena, elas não adiantavam mais, mesmo que Manoel as repetisse um milhão de vezes, como parecia disposto a fazer. Madalene, simplesmente, já não o queria. Ele buscava uma razão e, ela, impaciente, lhe dizia que ele sabia quais eram as razões do término. Todavia, tudo era tão doloroso e confuso para Manoel, que ele, realmente, não sabia. Parado a uma quadra da Pastelaria, numa esquina entre a Vinte e Cinco de Março e a Rua Ladeira Porto Geral, Manoel, mais uma vez se viu numa tangente, mas, desta vez, ele sabia, Madalene já não o salvaria. Levou a mão ao peito, porém não conseguiu impedir que seu coração se partisse em muitos pedaços. Morreu ali mesmo, vítima de um infarto fulminante. No bolso, o poema de Madalene e uma foto de ambos, do tempo em que eram felizes, quando ambos ainda sorriam. Morreu sem alegria. Havia perdido para São Paulo, para a Pastelaria e para um homem qualquer que, com certeza, chegaria, sua razão, seu amor, sua mulher, a razão da sua existência. Viu passar pelos seus olhos os momentos em que estiveram juntos, quando podia ser inteiro, quando se sentia livre estando com alguém. Caiu dizendo o nome de Madalene, com o coração aos pedaços. Nenhum remendo mais seria possível. A tangente atingiu-lhe o peito como um raio e neste momento, descobriu porquê ela já não o queria.

FIM